segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Ideal Vencido

Sabe, Renato,
Antigamente, quando eu tinha a tua idade, eu até achava que as coisas ficariam mais bonitas quando olhadas mais de perto, quando eu as olhava de longe. Era sempre assim, eu começava de uma boa distância, observando bem, interpretando do meu jeito de criança, criando tantas expectativas pro futuro e idealizando aquelas imagens, aqueles pedaços da vida, que me davam uma vontade louca de ir chegando mais perto, porque a expectativa é mesmo essa droga que faz com que a gente volte a ser criança de tanta curiosidade. Ah, Renato, como eu era ansiosa, assim que nem você, mesmo, né? Quando tu era bebê, as moças da cozinha sempre vinham até mim ao final do dia dizendo algo como: "ah, mas esse moleque é impossível, não tem jeito, de tão curioso qualquer dia ainda arruma pra cabeça", e eu ria, meio orgulhosa. 
Mas você sabe, o meu orgulho acabou-se. A minha ansiedade não tem mais motivos pra existir, meu filho, pelo simples fato de que naquela época eu tinha a persistência das crianças, mas a gente vai crescendo, vai arrumando mesmo um monte de coisa pra cabeça, e aos poucos, percebe que essa persistência infantil é só algo que assim, personificando a própria infância, até cresce dentro da gente, mas cresce livre, de um jeito que pode mudar e virar uma coisa completamente diferente do que era no começo, pode virar do avesso, e virou. Hoje em dia, essa persistência, que até a pouco tempo ainda me fazia continuar me aproximando do mundo pra ver se ficava mais bonito de perto, virou uma terrível consciência de que só vai haver desilusão. Os ideais, Renatinho, ah, eles estão tão cansados... Mas também, pudera... Foram tão surrados, não é? Teve a ditadura, teve o câncer do teu pai, teve tanta coisa que eu aliás já tô tentando esquecer, que eu fico até com dó dos pobres coitados dos ideais.
Ah, onde eles estão? Devem estar todos amassados naquela cristaleira onde a gente guardava os bibelôs de árvore de natal, aonde todo fim de ano eu ia, abria a portinha, pegava os ideais de novo e colocava na cabeça para serem flagelados novamente no ano seguinte: regime, vida nova, sexo, economia, intensidade, ah, uma mistura imensa, acho até que uma coisa virava exatamente o oposto da outra, ficava tudo uma grande bagunça e lá pra maio os ideais voltavam todos escondidinhos pro cantinho deles na cristaleira. Maio é um mês ingrato, um mêzinho miserável, mesmo. Porque pior que qualquer extremo é o meio, e pior que o meio é o meio do meio. Maio é tão meio que parece meio até no nome, olha que desgraça. Em maio acontece sempre alguma besteira, incrível. E foi em maio que ele se foi, o teu pai, o único homem que eu amei na vida. Ele sim foi alguém de ideais inabaláveis, e é bem provável que essa era a coisa que eu mais amava nele, aquela obstinação, aquele desejo de viver por algo.
Olha, Renato, com o tempo os ideais vão virando memórias... E ainda assim a gente tem que se dar por satisfeito quando viram, porque tem gente que nem isso tem mais, acaba esquecendo é tudo. Mas eu lembro dos meus... Eu idealizava tanto, eu sempre chegava mais perto pra ver o bonito ficar mais bonito, e mesmo quando, na grande maioria esmagadora das vezes o bonito idealizado se transformava num horroroso, eu estava lá, feliz, porque tinha pelo menos tentado, e não podia ser tão feio assim, tudo tinha lado bom. Mas agora, meu amor, agora tudo é passado. Dizer que não existe lado bom na vida é mentira, seria muita ingratidão da minha parte, sendo que eu tenho você, as suas irmãs, sendo que eu tenho tanto na minha história, mas chega uma hora em que tudo o que é a parte boa da vida fica pra trás, e a gente tem que aceitar a parte oposta à vida. Eu estou aceitando a minha morte, muito contente e satisfeita por ter tido uma vida assim tão cheia de ideais, e sabe por quê? Porque eu tive ideais, e porque eu lutei por eles, sim, por mais que eles não correspondessem à verdade inevitável que vinha depois e pousava sobre nossas costas. Eu vou embora feliz, porque de longe assim, a vida até parece uma coisa linda, e agora eu já tenho aqueles ideais todos desistentes, num sofá de espera do purgatório, e eu prefiro mesmo é não criar mais expectativas sobre aquilo que já é bonito. A certeza e a seriedade da morte já me conquistaram.
Adeus, meu filho.

sábado, 23 de novembro de 2013

Temas

Há uma rachadura no teto
Que é o mapa de nossa ruína
Há sobre os mortos concreto
Como se não bastasse a chacina

Há uma camisa amassada no chão
Porque talvez o amor ainda exista
E há também o velho amar em vão
Pois não há amor que à vida resista

Há setenta e duas gotas de chuva
Que sobre nós caíram durante a noite
Há ainda uma estrada sem curvas
Dizem que segui-la é um enorme açoite.

Há cheiros impregnados na pele
Suas essências em longas memórias
Cheios do sentir que a alma expele
Cheiros fortes do suor de glórias

Há em toda desgraça comédia
E nem em toda comédia há graça

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Elixir Natural

Sem traço,
Sem nome,
Sem fome,
Sem laço.

Ao abraço 
Consome
E some
No espaço.

Simples, livre e solto.
Desancorado
Leve o amor.

Em vida envolto
Desapegado
De toda dor.

sábado, 9 de novembro de 2013

Algo De Fútil

Naquela insolente esteira rolante 
Da miscigenadíssima linha amarela
Sou um boi pronto para seu abate
Ou leitão que já gordíssimo se esgoela.

Nesta velocidade inconstante
Com que desconheço leis da física
Rumamos todos ao mesmo abismo
Da ignorância mais seca e tísica.

Muito melhor é estar ao volante
E controlar a doce e grande ilusão 
De ser subordinado de uma ditadura
Para chegar à almejada direção.

Sinto-me exatamente como um boi, 
Exatamente como o boi que como
E que agora não sente mais nada:

Abate, 
Abismo, 
Ditadura...

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A Contradita

Pobre poeta enganado
Desertado por quem mais ama
Hoje deita-se, chora e reclama
Na dor do pesado fado

Deixaram-no, pobre coitado
Palavras da endeusada proclama
Que há tanto cultivava em chama
Própria ao tolo lesado.

Pobre poeta traído
À mercê desta contradição
Hoje carrega a desgraça

Pobre poeta perdido
Não sabe mais de seu coração
Foi preso à própria caça

sábado, 19 de outubro de 2013

Soneto do Descompromisso

À noite que vi caída sobre os seus lares
Ao som que sai das ruas insidiosas
À lua, que assiste a tudo impetuosa
Aos olhos cujas lágrimas se enxugam nos bares

Aos jovens dos quais fogem rubros os ares
Quando vivem por paixões tempestuosas
À ausência de paixões nesta alma lustrosa
Quando ainda assim dela são ausentes pilares

Dedico feliz a doce ausência do sentimento
A força intrépida do enfrentar sem gosto
Pois não é crime viver sem motivo

A vós dedico o belo anseio do crescimento
Maior até do que a mim própria é posto
Pois não se vive apenas de incentivo.



sábado, 12 de outubro de 2013

"O Tempo" Seria Um Título Deveras Criativo E Original Para Isto. Hmm...

Foi há muito tempo atrás... Quer dizer, isso é tudo um pouco confuso, porque para algumas pessoas o tempo é relativo, para outras ele é um daqueles amigos irritantes que destroem relacionamentos, para terceiras pode ser uma doença ou uma cura e tem até mesmo quem acredite e jure de pés juntos que tempo, ilusão humana, é dinheiro, outra ilusão do animal racional-mas-nem-tanto. 
Resumindo, o tempo é um camarada completamente maluco, e por isso fica difícil saber exatamente há quanto dele aconteceu esta história. Na verdade, na verdade, mesmo, veja bem, o tempo pode até nem ter passado por lá ainda, quem pode saber? Afinal, não se fazem mais tempos com a pontualidade de antigamente (culpa do crescimento e modernização das fábricas de balas mastigáveis de iogurte pertencentes ao setor de indústrias de bens de consumo indiscutivelmente não duráveis por mais de cinco minutos), de modo que tudo pode ser uma grandessíssima mentira e você nem sabe. Ao mesmo tempo que tudo pode ser uma grandessíssima verdade, é claro, mas agora que você acaba de tomar conhecimento da possibilidade de tudo ser uma grandessíssima mentira, muito provavelmente ficará encucado e pensativos, imaginando se é tudo mentira, ou se é tudo verdade, ou até mesmo se tudo é parcialmente verdade e parcialmente mentira - o que é mais provável -, mas saiba que isso não importa, amigão. Console-se em saber que sim, pai é aquele que cria. Relaxe.
Relaxe, porque mesmo depois de pensar e espremer suas fracas ideias para encontrar uma boa história para esta introdução, que caiu do céu como a maçã na cabeça de Isaac Newton (e muitos dizem que esta história é sim uma grandessíssima mentira), a autora desculpa-se infinitamente pela perda de tempo, mas não foi capaz de encontrá-la. No entanto, como seria deveras triste perder entre os papéis velhos uma introdução simplesmente por não ter uma boa história para ela, a autora resolveu que, mesmo sem história, esta introdução merecia ser publicada, porque apesar de a descoberta da lei da gravidade não ter dependido em partes dela, foi uma introdução de fato simpática, e de leis o mundo já está cheio mesmo, poxa. 
Portanto, estamos aqui discutindo a veracidade da história sobre a maçã que supostamente caiu na cabeça de Isaac Newton, fazendo com que ele, após xingar todas as sortes de maçãs existentes no mundo, porque deve ter doído pra cacete, parasse para pensar sobre o que faz as maçãs caírem das árvores em cabeças de grandes físicos. E o resultado, não menos satisfatório, seria obviamente a descoberta da famigerada lei da gravidade, temida pelas senhoras mais vaidosas da alta sociedade. Mas como tudo pode ser uma grandessíssima mentira, há quem diga que isso tudo é conversa pra boi dormir; Curiosamente, essa história, sendo verídica ou não, aconteceu há muito tempo atrás... Quer dizer, isso é um pouco confuso, porque em 2013, ano de publicação deste texto estúpido, temos que aconteceu a cerca de trezentos e poucos anos, mas em 3016, caso o arquivo resista ao tempo, terá acontecido há muito mais tempo, agora, se você tiver uma máquina do tempo e voltar ao ano de 1687, que foi o da publicação da lei da gravidade, com este arquivo, e efetuar a leitura do mesmo neste ano, não fará tanto tempo assim (mas aconselhamos que caso você volte ao ano de 1687 com este arquivo em mãos para efetuar a leitura do mesmo, não o faça em público, do contrário, ninguém sabe o que pode acontecer com você). Lembrando também da possibilidade de o leitor poder ter nascido há dez, quinze mil anos atrás, podemos concluir que para certas pessoas, trezentos e poucos anos nem é tanto tempo assim. De qualquer maneira, essa é uma história que pode de fato nem ter acontecido, não necessariamente porque o tempo ainda não passou por lá, mas sim porque desde que o mundo é mundo, e isso aconteceu bem antes de 1687, existem pessoas nele com o péssimo hábito de sair por aí contando aos outros coisas que nunca aconteceram fora de suas cabeças.
- E aí, cara, tranquilo?
- Beleza, Newtão, e você?
- Ah, tranquilo, tranquilo. Cara, cê não vai acreditar. Eu tava lá, tirando uma soneca debaixo daquela macieira ali, quando de repente, caiu uma maçã bem em cima da minha cabeça, e aí eu comecei a pensar aqui... Cara, o que faz as maçãs caírem? A gravidade, cara, a gravidade!
- Hã?
(Fragmento de conversa entre Isaac Newton e um amigo seu, 1686).
Por fim, é por isso e por mais um pouco que nada é verídico. Nem o tempo, nem o vento, nem os historiadores, nem os físicos, nem as balelas que eles contam, nem os xavecos que eles passam, nada. Logo, vamos todos de mãozinhas dadas, aceitar que tudo não passa de... Sei lá do que não passa, aquele abraço.

sábado, 21 de setembro de 2013

Acontece...

Foi um relacionamento que acabou-se, como este que se passa pela cabeça de quem já teve um relacionamento acabado neste exato momento, como o amor de Romeu e Julieta, em quem pôs fim a morte da carne, como o casamento entre a justiça e a sociedade, como tantos outros que o mundo, cansado de assistir, assistiu. Teve seu início, meio e fim, sendo este último gerado por um pedido de casamento negado devido à falta de estruturas psicológicas. Não importa, ela não queria, era cedo demais, não havia de dar certo. Seria melhor acabar.
Quando acabou, porém, da maneira curiosa que acontece com quem não queria, ela arrependeu-se. Arrependeu-se amargamente, porque, veja bem, ele era um rapaz tão bonzinho, não é mesmo? No entanto, já era tarde. Por orgulho ou sensatez, manteve-se firme na decisão e não voltou atrás, até que veio por fim o convite do casamento que ela não quis com ele protagonizar.
Aí então foi que bateu forte o arrependimento de antes, sucedido de mais forte ainda orgulho ou talvez sensatez fingida. Deu-se o casamento por realizar-se às dezenove horas do dia tal, no tal lugar, que foi aquele para o qual ela seguiu, e nas escadas do qual ela chorou sentada durante toda a cerimônia, como criança sem brinquedo, já que não pode aguentar ver aquilo de frente. Chorou até não ter mais olhos para ver o que acontecia à sua volta. E é engraçado, porque o que acontecia à sua volta era exatamente o tipo de coisa que ela encararia como material para uma boa história de cinema, apesar de nunca ter sido retratada por ninguém.
Aconteceu que um rapaz, passando por aquela mesma calçada agora salpicada de lágrimas de arrependimento sem orgulho e qualquer traço de sensatez, viu o rosto – e as lágrimas, pois era impossível ver um e não o outro – e dele gostou, e portanto foi verificar o que o afligia.
Por fragilidade causada pelas circunstâncias, esqueceu de vez o orgulho e a sensatez que a indignidade e o arrependimento daquele momento haviam largado na calçada, e contou a ele o ocorrido. A princípio, ele duvidou da veracidade dos fatos, sorrindo. Mais tarde, a convidou para tomar uma cerveja, o que com certeza mudou toda a situação da água para o vinho.

Duas horas depois, o choro foi alcoolizado e obrigado a partir, dando espaço para as risadas escandalosas que as substâncias alcoólicas tiram de dentro das pessoas. E lá estavam dois bêbados, dançando ritmos nordestinos em um boteco qualquer, porque o amor tem dessas bobagens, e porque o destino é ainda mais bobo. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Não Leve A Mal, Que Disso O Mundo Já Está Cheio

Pensando, chegou à conclusão que não se vive certo. Hora descobre-se que a dieta seguida há trinta anos é na verdade a causa daquele problema nos rins, hora que não houve episódio final para a Caverna do Dragão. A vida é mesmo uma grande mentira, ou melhor dizendo, uma inverdade. Mas na verdade, se a verdade nem existe, o problema deve estar em quem vive errado mesmo, ué.
Porque admitir que está errado ninguém quer, mas estar errado é sempre muito mais gostoso, muito mais fácil, muito mais confortável. E ai de quem tentar estar certo, porque aí é dono da razão, é o certinho, nojento, fresco. O chato que passa sermão. Mas afinal de contas, pra que é que se vive, se não pra endireitar as coisas que vieram erradas da fábrica? Por que raios é assim tão mais agradável continuar convivendo dia e noite com aquilo que é errado, se o que é errado prejudica? Só mesmo para ser aceito?
Ora, ser aceito. O homem é mesmo muito otário, veja bem: o último que tentou ser aceito e agradar sem demagogia, na honestidade, tomou logo uns pregos nas mãos, e foi habitar o reino dos céus, amém. E ainda persiste esse papo, pouco mais que dois mil anos depois, de ser aceito, de fazer bonito. Pro raio que o parta com a aceitação geral, minha gente, que patifaria é essa? Há muito já deu a hora de se tomar consciência, decência e tapa na cara de quem não quiser. Há muito já deu a hora de deixar de lado a facilidade, de acreditar na vida e no próprio potencial de raciocínio, que é coisa fina que nos foi dada.

Há muito já deu o tempo do homem passar a viver do jeito certo, de gostar do jeito certo. Não que seja necessária a perfeição, porque todo mundo está cansado de saber que de perfeição aqui, não há nada, mas pelo menos um pouquinho daquele grandioso bom senso, um pouquinho de noção. É quase certo que não há de fazer mal a ninguém, de coração. Aliás, é quase certo mesmo, que o dia em que o tal do homem passar a interessar-se pelo certo, será mais feliz. Sim, felicidade, aquela coisa que todo dia se procura, e muitas vezes se anuncia ao mundo sem ao menos saber do significado. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Evitando Pensamentos

Entra em casa, fecha a porta
Bolsa sobre a mesa, suspiros de cansaço
Olha a geladeira, pela janela, para o espaço
Nada, nada, é como uma mente morta.

Chinelos, e os pensamentos... Corta!
Geladeira novamente, mas aquele abraço
A distração foi involuntária, é um palhaço
Chega, chega, não pode, não importa.

Essa ansiedade de tamborilar os dedos
Esse antigo desapego, agora perturbado
É desimportante, é engano puro e ledo

Estruturas talvez abaladas, talvez medo
Mas falar em sentimento é falar equivocado
Quando sentimento verdadeiro é aquele no lêvedo.



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Aceitação

Pois bem, que se consegui dormir um pouco
Foi pela insensibilidade das flores ornamentais
Porque em resposta aos bons temperamentais
Deixaram não mais que apelo fingido e rouco.

Disse ao espírito daquele pobre e louco
Que de tanto guerrearem em verdades pessoais
Conquistaram só os distúrbios comportamentais
Que os trouxe aos joelhos, velhos e ocos.

O inferno da inconsistência questiona
Bate à porta, perturba o talvez insensível
Coíbe o mártir do que se aprisiona

A angústia à instabilidade o pressiona
Vê-se ao fim sem  saída, o desprezível
Aceita o fardo miserável da frieza à tona!

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Pequena Nota Sobre A Observação Do Voo

Como é bonita de se ver... A estabilidade do voo de um pássaro no céu, desafiando toda a falsa lógica da estabilidade humana, que é tão ilusória, tão boba. Justamente porque ao pássaro, nada é mais sensato que voar, para isso ele foi feito e o seu voo é pleno, seguro e firme. Exala paz. 
Mas o homem, que quis por si só voar e naturalmente não pôde, impôs ao céu a ideia da insegurança, pois se para ele o sensato é o chão, para tudo sugere que assim seja o mundo, tornando o chão o correto, o bom. 
Voar é insensato, justifica. Coisa de quem não tem os pés no chão (como se sensato fosse usar pregos para fixar no chão aquilo que pertence aos céus, ao ar).
Mas a leveza e a direção do vento, a luminosidade do sol e a cor alucinante do céu parão o voador tirar seus pés do chão, pois a maneira mais sensata de viver é fazê-lo pelo que nasceu para, é voar se necessário for, é cantar e expandir a voz, se voz lhe foi dada, é usar o movimento que a força do corpo lhe permite, é viver e saber respeitar... O seu desejo e a sua sensatez, esteja ela onde estiver: no chão, no céu ou no mar.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Grandes Atos

O preço da passagem é um roubo
Isso não tá certo
Mãos para o alto três e vinte é um assalto
O gigante acordou
Chupa governo
Viva o comunismo
Vamos tomar o poder
Polícia cão-de-guarda do governo
Não pensa
Só obedece
Exigimos reajuste salarial aos médicos
E frentistas
E a todos os meus amigos funcionários públicos um beijo gente
Legalize já porra
Regulamentação aos profissionais do sexo
Jovens unidos
Ei você aí você é um conformado
Vá se foder seu rebeldezinho de merda
Viva la revolución
Cotas para negros em concursos públicos
Abaixo à manipulação da mídia
Vote em mim não nele não vote em mim
Copa é o caralho

Oi meu nome é Daniele Molina e eu sou escritora (sem vírgulas).

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Especial Dia Dos Namorados - Conte Aqui Seus Problemas Amorosos

Data comemorativa presente em calendários de todas as partes do mundo, o dia dos namorados ganhou popularidade no Brasil por volta dos anos 40, em São Paulo, por consequência de uma campanha publicitária criada por João Dória para fazer crescerem as vendas no mês de junho, já que este não possuía um feriado comercial. A data no Brasil é atribuída ao dia 12, véspera do dia de Santo Antônio, conhecido por ser um santo casamenteiro. Fora daqui, o dito dia dos namorados é comemorado em 14 de fevereiro, por ser dia de São Valentim. Dadas todas estas informações de utilidade pública discutível e procedência duvidosa, é perfeitamente compreensível você pensar: "Tá. E daí?" Calma, que eu já chego lá. 
Estava eu pensando sobre o tal dia dos namorados, o qual orgulhosamente não comemoro (mas não por isso deprecio), e ao mesmo tempo, lembrando que deveria ontem coletar problemas alheios para o meu "semanal", quando surgiu a ideia no mínimo curiosa de fundir as duas coisas. Portanto, vamos logo de uma vez ao que de fato interessa: começando no metrô Brigadeiro, ainda nas escadas, ouvi uma voz comentando o conteúdo de minha plaquinha especialmente feita para o dia de ontem: "conte aqui seus problemas amorosos", e rindo em seguida. Corri atrás de uma moça um pouco confusa que disse ser um problema quando a pessoa com quem você resolve morar junto não colabora com a situação financeira. Deve ser. Já na rua, houveram situações até mais pesadas: "meu ex-marido é dependente químico, por isso eu resolvi terminar", ou alguma dificuldade com a própria sexualidade, como a não-aceitação dos pais. Daí me veio aos ouvidos a seguinte frase: "amo duas pessoas ao mesmo tempo, uma de um jeito e a outra de outro bem diferente, mas queria poder fundir as duas pessoas em uma só", e isso realmente me deixou pensativa. Não aquela coisa toda de perfeição, de pessoa certa e tudo o mais, mas sim a ideia de que, no dia dos namorados, como campanha publicitárias, as siderúrgicas poderiam lançar uma campanha de soldagem de pessoas, quem sabe resolvesse esse tipo de problema de "imperfeição"? Mas aí, pensei que talvez não tenha sido uma boa ideia, e portanto é melhor que eu continue bem longe das agências de publicidade. Ainda foi dito pela mesma pessoa; "é mais difícil ainda quando uma das pessoas é sua chefe, mais velha e cheia de responsabilidades e tal." Uma situação de indecisão, exatamente igual a de outra mulher alguns metros a frente dali: "gosto dos dois, mas descobri que ainda prefiro o ex." Uma boa época para voltar atrás, boa sorte, moça. 
Agora, se ele ou ela já estiver compromissado (a), cuidado: "tenho ciúmes da ex-namorada dele, porque estamos juntos há um ano e meio e ela continua ligando e dando em cima dele. Ela é simplesmente louca." Veja bem, você que está aí nessa situação difícil, ex-namorada louca: temos uma vasta lista de carentes e disponíveis logo neste doze de junho: "não tenho namorada", "meu amigo pega todas e não sobra nenhuma para mim", "há um ano que eu não faço sexo, não tomo uma garrafa de pinga e nem como um pão de queijo" (o que deve ser de fato uma tristeza específica), "ela já é passado, bola pra frente", e por fim, "faz tempo que não arrumo mulher", disse o Thales. E atenção, por favor, porque esta foi a sessão de 'homens a procura', mas a de mulheres também está aí bem firme e forte, para quem quiser ver:  "tô sem namorado", "fui traída e estou solteira", "tô solteira", "preciso encontrar um namorado", "ninguém me quer" (isso foi no mínimo triste), "acabei de pedir um menino em namoro e ele não aceitou" (aproveitem que ela deve estar vulnerável, vão, vão, grande chance), "tô divorciando, ele é uma pessoa maravilhosa mas não quero mais saber dele", e assim encerramos a sessão de  agência de relacionamentos. Vamos agora aos depoimentos mais detalhados do dia, a começar pelo meu amigo com quem já converso pela segunda vez: "as provas do Mackenzie são difíceis e não deixam a gente se ver. Ela estuda Direito." Depois, um problema não tão amoroso assim, mas com o qual me identifiquei um pouco, vindo de uma desenhista que como agora mesmo vi pela internet, possui uma página destinada a trabalhos artísticos bem conhecida no facebook (por sinal, ela fez a grande gentileza de soltar uma divulgação bacana deste adorável blog por lá, e a página em questão chama-se "ARTatte"): "meu problema é que eu sou desenhista e tenho de vestir uma camiseta de anúncio na rua." Um problema grande mesmo é que  por essas bandas, para ser pensador, é preciso ganhar dinheiro antes. Enfim, agora, as peripécias de uma moça que não sabe ao certo o que fazer: "conheci um cara no trabalho e começamos a conversar. Depois de um tempo percebi que toda vez que ele vinha me ver, tirava uma aliança do dedo, e resolvi procurar pelo nome no facebook. Vi que ele tinha namorada, mas ele negou e eu ignorei. até que depois de algum tempo acabei ficando com ele, mas o namoro continua, e agora eu realmente não sei o que fazer  a respeito. Faz algum tempo que a gente não se fala, e ele ainda namora."
E agora, para finalizar este dia tão... Amoroso, uma linda, comovente e triste história, de amor, paixão... E raiva, de João:
"Eu a conheci num bar, tinha 22 anos. Disse pra ela que a gente ia casar, que ela era a mulher da minha vida, mas ela disse que era casada. Falei que então ela largaria o marido, mas a gente se casaria. Daí então, ela foi ao banheiro e eu fiquei esperando até que ela saísse de lá. Quando isso aconteceu, eu a peguei no colo lhe dei um beijo. Sabe quando cê sente de verdade que é amor? Aí, depois de um tempo, a gente começou a ficar, e namoramos por dois anos, mas ela não largou do marido. Eu disse milhares de vezes pra ela se separar dele e ficar comigo, mas ela dizia que ele tinha emprego, estabilidade e eu era um menino. Por isso, virei fotógrafo e fui à Nova Iorque com mil dólares no bolso para ganhar dinheiro. Quando voltei, disse novamente à ela que deveria escolher entre ele ou eu, mas ela nunca me ouvia, e ficava sempre correndo atrás de mim. Eu dizia 'meu, não vem atrás de mim', mas ela vinha. Eu falava que não queria mais vê-la enquanto ela não resolvesse o que queria fazer com sua vida, e quando eu chegava ao aeroporto, quem estava me esperando? A diaba. Até que eu não aguentei mais e mandei ela ir se foder."
Beleza, uma boa noite aí, para todos vocês! Fui.


segunda-feira, 10 de junho de 2013

O Homem De Bem

Aqui vive o homem de bem. Nesta caverna onde esconde-se juntamente com sua respeitosa dama e descansa, como pode, no curto período do tempo que lhe embranquece os cabelos a cada dia um pouco mais. Não pratica o mal pois assim lhe foi ensinado quando pequeno, que não o deveria fazer. Apesar de muitos outros exatamente como ele terem também recebido a mesma instrução, sabe que hoje são homens que deixam-se levar por uma fraqueza social comum entre homens, ao ponto de vista geral, de bem. Teme por sua dama durante as vinte e mais algumas horas do dia inventado pelos homens que sobre eles exercem poder, pois como é de conhecimento geral, a noite é escura, o dia, perigoso e a cidade, violenta. Uma cidade violenta onde nunca nada dorme (além dos que como o homem de bem e sua esposa (proletários), precisam fechar seus olhos diante da angústia do vazio da pouca vida que lhes resta após às cinco, das frustrações da meia idade e da repressão implícita e acobertada por largos sorrisos na TV que sofrem para que lhes seja possível alimentarem-se quatro vezes ao dia - sendo uma delas refeição feita num recipiente de plástico barato e em tempo cronometrado): nem o perigo representado pelos jovens que sofrem, nem a inconsequência dos que esbanjam.
O homem de bem imerge todos os meses num oceano sombrio e melancólico de cálculos, diante dos quais lhe some o humilde ordenado cujo ínfimo valor, quase simbólico, é ridiculamente enxugado a cada dia pelos panos quentes que acobertam a corrupção, seja do governo, seja dos tolos homens que o forma, e que por esse e por mais milhares de outros motivos de aparência pequena, tornam corrupção um produto cultural do país. Estes são os homens a princípio de bem. Os que igualmente ao homem de bem, tiveram caráter, tiveram lição, tiveram alguma, ainda que precária, escola e oportunidade - porque assim a almeja o governo: precária. Estes homens, contudo, não sabem quanto custam ao homem de bem, as facilidades obtidas por eles. Na roda de amigos, o homem de bem mantém-se calado, não possui lá muitas vitórias, pois a vida é cara e não lhe sobram muitas oportunidades. Já os outros, tem vantagens a contar, tem viagens a comentar, pois para eles moral é acessório, carteira perdida não tem dono e quem não rouba sinal de TV paga, é moralista. Mas o homem de bem sabe, e é justamente o saber o agravante de sua situação: a impotência angustiante de ver sobre seus semelhantes uma crosta suja de ignorância a qual tenta combater todos os dias teimosamente, sozinho, mas nunca mudo. Pois a corrupção é sádica ao ponto de anestesiar o corpo e fazer sofrer a mente da sociedade. A tortura portanto é tão mais cruel e visceral, que a sanidade do homem de bem é hoje verdadeiramente comprometida, a cada segundo em que respira e exerce sua função, com seriedade que por quem não sabe o que diz é depreciada e reduzida ao pó.
O homem de bem sofre portanto pela impotência supracitada e também pelas juventude e força que a sociedade deseja a todo custo dele tomar, usando-se do tempo e dos próprios indivíduos ao redor do homem de bem, pois sabemos que ao colocar o pé para fora de casa, jamais encontrará compaixão, quando o sistema tratou de extingui-la já há muito, nem mesmo solidariedade, já que os outros homens compreenderam errado o intuito da vida e também a fizeram desaparecer. Fora de sua pequena fortaleza não há nada para ele exceto giz, desrespeito e algo que o possa sustentar com muita simplicidade, e sabe bem disso. Não há nenhum motivo aparente para sorrir fora dela. 
É mesmo uma pequenina fortaleza que ele possui, um lugarzinho que levou muito tempo e esforço para que conseguisse conquistar. Uma casinha modesta e aconchegante, da qual sai todos os dias pela manhã e a qual retorna todos os dias ao cair da tarde, fadigado e com novas dores, marcado diretamente pela hostilidade do mundo. Fora dela a rua é fria, o céu é cinza. Mas lá dentro a vida lhe faz algum sentido, a dama lhe faz alguma companhia. A vaguidão do ser não lhe perturba mais o sono depois de tantos anos de luta, pois sabe que faz o que pode. Em seu pequeno reino existe um amor. Em seu pouco espaço, confiança e concordância. Lá ele sente a paz dos verdadeiros homens de bem, a paz que atravessa a angústia, que ultrapassa a linha das mágoas e dos medos que lhe castigam porta a fora. Ali ele descansa sim, como pode para recuperar-se e alimentar o ciclo vicioso da vida assalariada. Ali sim, vive - e não só existe - o homem de bem. Numa caverna onde esconde-se com sua respeitosa dama, dos malfeitos do mundo.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Conte Aqui Seus Problemas [5]

Olá. Antes de começar nossa sessão de lamentações semanal, gostaria de oferecer a quem contribui com esse pequeno trabalho de inutilidade pública um agradecimento especial, por motivos mais do que óbvios: sem vocês, não haveria o trabalho em questão. O outro agradecimento de hoje fica por conta de um chocolate que recebi de uma contribuinte muito simpática cujo problema principal deve-se a sobra de mês ao final do salário, que serve para pagar as contas da adolescência, ajudar em casa e que este mês, infelizmente, não servirá muito bem para o presente de dia dos namorados. Acontece, mas boa sorte, amiga. Aliás, falando em amiga, a amiga dela está com o mesmo problema, coitadas. Dias melhores virão. 
Trabalho é mesmo um negócio complicado, e vejamos aqui, uma grande parte das reclamações do povo é justamente culpa dele. Seja pela falta, seja pelo excesso. Arrumar trabalho, por exemplo, é um problema para um homem bem apressado que nem ao menos quis parar para dizer isso. Já quando se tem um trabalho, surgem vários tipos de chateações: "não consigo administrar meu tempo porque trabalho demais e quando chego em casa não tenho mais vontade de fazer nada por mim", "não consigo encontrar ninguém para ficar com meus dois filhos pequenos", "preciso ganhar mais dinheiro", "insatisfação salarial", "rotina, estresse". E quando o assunto é chefe? "Tenho dois chefes, eles são sócios, mas não se dão bem, e eu fico entre os dois, ou seja: estou no meio das brigas. Uma vez, tentei dizer ao chefe A que o chefe B estava insatisfeito e desmotivado, e ele me respondeu que isso não existia."
Tive a impressão há algum tempo que carros podem trazer muita preocupação e muito prejuízo. Hoje, chegou a confirmação; "meu carro foi apreendido na estrada e não tenho condições de pegá-lo de volta. Por enquanto, vou ter de andar de ônibus." "Eu preciso trocar meu carro, mas meu irmão não pode me ajudar a procurar um novo, e sabe, eu não sei comprar carro!" Aproveito para pedir um pouco de atenção a esta última frase, pede-se ajuda para comprar carro, boas almas, favor comentarem abaixo oferecendo dicas, conselhos etc. 
Agora, ainda no setor de anúncios, vamos a uma figura particularmente engraçada. Desejando ser identificado apenas por Robert, o adúltero, este homem reclama da rotina de seu relacionamento e diz estar não só apto, como também necessitado de uma amante, um relacionamento secreto; "quero ir pra balada, é assim que as coisas funcionam hoje em dia". E como se não bastasse a ousadia de suas palavras, Robert e seus amigos quiseram saber dos meus problemas. Como eu já disse outro dia, não foram os primeiros, e como também já disse outro dia, não me lembro muito bem dos meus problemas (com certeza, envolvem o tempo, o espaço, as pessoas e essas coisas estranhas). Robert então me perguntou se o anel que uso na mão direita é de compromisso, e eu disse que sim. Não é, mas achei que ele não se importaria de não saber disso. Seu amigo também reclamou da falta de tempo, porque não consegue ficar com seu filho, e aí então eu agradeci e fui procurar mais problemas. É importante lembrar que fazendo esse tipo de coisa, eu realmente dou muita risada. 
Samir sente-se insatisfeito com as pessoas ao redor, que não compreendem seu problema de saúde. Isso o deixa um pouco deprimido, e às vezes, torna-se um homem calado. A coisa de dar muita risada não se aplica a este caso, por exemplo. 
Agora, uma pausa para a máxima filosófica do dia: "Avon disfarça, mas já não sou uma mocinha como você, e não posso simplesmente dizer 'tchau, vou arrumar outro emprego'."
E prosseguimos, com o pobre vestibulando que está muito preocupado com a concorrência em Oceanografia, cuja nota de corte é 48, segundo ele, um tanto alto para seus esforços - e cá pra nós, alto para mim também -, já que ele não deixa de sair com amigos e divertir-se para ficar em casa estudando. E se entrar na faculdade é um problema, imagine depois de entrar: "trabalhos da faculdade são meu atual problema." 
E para encerrar a conta, vamos ao pai de família cuja ex-mulher pediu uma pensão absurda que excede as necessidades da criança de cinco anos. Segundo ele, a justiça hoje em dia nunca dá razão ao pai de família, e eu prefiro abster-me de qualquer comentário ou posicionamento.
Até a próxima!

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Conte Aqui Seus Problemas [4]

Foi um feriado frio. O céu era cinza e o clima, propício aos cobertores, moletons, chocolates e filmes cheios de preguiça de sair de casa. As ruas, na imaginação de uma grande parte dos paulistanos, deveriam estar completamente desertas. Mas, sabemos, não foi assim que aconteceu, afinal, se tem algo que o tal do paulistano gosta, e muito, é de rua. E ontem, a rua estava cheia. Se de pessoas vazias ou não, não posso dizer, mas que tinham problemas eu sei. E de vários tipos, como sempre. Dos mais comuns, "a falta de dinheiro no bagulho, tá ligado?" com certeza reina. Posso ouvir as pessoas todos os dias, e tenho quase certeza de que nunca deixarei de anotar esse problema. Nunca. Mas, o financeiro a parte, vamos tratar dos corações paulistas: "fui chifrada e tô solteira. Perdi dois anos da minha vida com aquele desgraçado." Ao lado dela, o amigo reclama por estar sem celular, e também pelo fim de um relacionamento. E aí, uma terceira diz que o fim de um relacionamento não é tão ruim assim, o que gera polêmica: "mas é claro que pra você não é ruim, foi você quem terminou o seu." Antes de ir embora, a primeira deles ainda deixou comigo uma reflexão revolucionária, praticamente se propôs a mudar o significado de uma palavra: "descobri que puta é quem dá de graça." Ainda não entendi ao certo a complexidade e a filosofia contidas nessa frase simples e curta, se alguém souber expressar com maior clareza as mudanças no sentido pejorativo do termo 'puta', favor entrar em contato. Depois dessa verdadeira pérola, o amigo a puxou pelo braço, agradeceram e saíram discutindo a respeito. É engraçado, aliás, quando agradecem. Teve alguém que simplesmente chegou perto, me estendeu a mão direita para uma saudação e disse: "parabéns por isso!" Obrigada, obrigada.  O Felipe me agradeceu, também. O maior problema dele, atualmente, é estar desempregado. Boa sorte, Felipe. 
Pela segunda vez, me perguntaram sobre os meus problemas. Não me lembro da resposta, anotei o problema de quem perguntou: o Guilherme. "Vivemos em uma colônia muito fechada, onde todo mundo sempre sabe o que todo mundo faz." Conversei com ele e seus amigos por um bom tempo, por sinal. Um deles se parecia muito com algum ator brasileiro que não sei o nome, e pareceu ter de fato uma porção de problemas: "sou instável e mudo de humor muito rápido. Moro longe da escola, sou muito mulherengo, muito natureba e tenho uma perna maior que a outra. Também não sei controlar meu dinheiro." No mesmo grupo um casal afirmou ter um problema em conjunto, sendo ela o problema dele e vice-versa. Ele acrescentou ao fato dela ser seu problema, o fato dela "não deixar seu cabelo ficar legal". Não devo opinar a respeito, não devo opinar a respeito. E ainda nesse belo "grupo de doidos", como disse alguém dele, uma das garotas é "muito baixinha", e a outra não quer namorar com o cara com quem sai atualmente. 
Um pouco depois eu encontrei alguém que tem vontade de se suicidar, mas não sabe por quê. E me ofereceu um cigarro. Um suicida muito simpático. E talvez sob efeito de algumas substâncias ilícitas, mas só talvez. Encontrei também alguém que não faz sexo há um ano, esqueceu como é ter amigos e por mais que odeie gente chata, é tudo o que encontra por aí. Uma vida complicada, e talvez igualmente sob efeito de algumas substâncias ilícitas, mas, novamente, só talvez. 
O último depoimento, feito entre risos e pausas dramáticas, começa de um modo simples, porém perigoso:
"Eu era amiga de uma menina. Um dia, o ex-namorado dela pediu para ficar comigo e eu disse que não." Em consideração a ela, é claro. "Mesmo assim, ela achou que eu tinha ficado com ele e parou de falar comigo, do nada." Depois, fiquei com ele só por raiva." Sim, somente por raiva mesmo e nada mais. "Aí, ela veio e me mandou uma mensagem me xingando por isso". Olha que sem noção?! 

terça-feira, 21 de maio de 2013

Conte Aqui Seus Problemas [3]

O dia amanheceu frio, chuvoso, de cara amarrada e não querendo papo com ninguém. Lá pelas duas da tarde, no entanto, começava a aparecer um solzinho bonito, um pouco tímido, é verdade, mas o suficiente para iluminar a cidade de São Paulo. E lá, na Avenida Paulista, novamente estava eu. Ou melhor, estávamos: eu e minha bela placa. Vamos portanto, ao que importa; na sessão de problemas amorosos, o dia já começou ótimo: "minha mulher é problemática, ela faz um inferno". E pela Ênfase, deve ser mesmo, sabe. Além disso, algo particularmente engraçado aconteceu ali na frente da estação Trianon: um funcionário do banco apareceu pela janela de vidro e me chamou até a porta, onde disse estar um pouco preocupado com o início de um namoro com alguém que estuda na mesma faculdade. Mais tarde, ao lado de um menino com cara de coitado, lá estava ela, a megera indomada: "sou muito grossa com meu namorado". Imagine só isso, que nada. Depois, ela mesma disse que não se achava boa o bastante para ele. Amiga, não se sinta mal por isso. 
E ali mais a frente, encontrei um camarada em apuros, que apontou para sua pretendente e disse: "esta garota não gosta de mim". Puxa vida, eu disse. Dê uma chance ao rapaz, moça. Ainda na mesma sessão, encontramos lá na Rua Augusta um jovem rapaz em situação desagradável: "minha ex-namorada terminou um noivado há pouco tempo porque ainda gosta de mim. Só que agora eu estou namorando". Essa é aquela coisa dos amores platônicos e idealizados, quando é possível não tem graça. Também existe aquele velho problema chamado "ex-namorada".
Mas nem tudo acaba em amor. "Sou muito pervertida e só penso em sexo o tempo inteiro", "tem muito pão com ovo se achando big mac" e "minha mãe me chama de vagabundo" foram as frases sem dúvida mais... Tocantes de hoje. E por falar em Big Mac, na hora do lanchinho visitei um Mc Donald's por pura falta de vontade de procurar algo melhor para comer (porque particularmente, meu problema é com a montagem dos lanches do Mc Donald's, que é péssima e muito provavelmente possui algo contra mim, já que meus lanches estão sempre mal feitos), e adivinhe só você que um atendente de lá não se aguentou e desabafou: "não aguento mais esse lugar, é um inferno. Adoro todos os meus colegas, mas não tenho nem vida social". E aí então, entramos, por fim, na sessão mais esperada: dinheiro, trabalho e, consequentemente: problema!
"Trabalho de segunda a segunda, estou cansado e estressado", foi o que disse alguém ali perto do MASP. Mas é claro que para se ter um problema com o trabalho, não é preciso trabalhar de segunda a segunda. Tem gente por exemplo que assumiu  ser o próprio trabalho o maior problema. A falta de dinheiro reinou: "dívida de R$50.000,00, dívidas de R$5.000,00, falta de dinheiro novamente, "a empresa não paga meus direitos", "fui demitida pois minha chefe não gostava de mim", "estou sem dinheiro, vou ser pai, pagar pensão e vai ser menina", "tenho um filho para criar e fui despejado" e mais uma vez, volta à pauta o tal do Mc Donald's: " a administração do Mc Donald's é péssima, a cada dia surge uma regra nova só pra complicar nossas vidas, isso atrapalha muito a gente". Poxa, Mc Donald's...
"Tenho vergonha de conversar em público" foi o que disse um daqueles homens que abordam pessoas na rua para tratar de causas sociais. Paradoxos, paradoxos... 
E então, a Bruna queria dizer que há 2 anos largou seu emprego fixo, onde ganhava bem, para trabalhar na rua, sem saber se ganharia algum dinheiro (por que ela fez isso é algo que você não precisa se dar ao trabalho de me perguntar, pois eu não faço a mínima ideia). Hoje, ela sente dores nos pés e  está sem dinheiro. Exatamente igual a mim, exceto por um único detalhe: ela assumiu ser promíscua e trair muito o namorado, enquanto eu estou aqui, muito bem... Com a minha placa. 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Conte Aqui Seus Problemas [2]

Hoje é quinta-feira, dia 16 de maio de 2013, e os problemas coletados na Avenida Paulista são, em grande maioria, bizarros. Vamos começar dizendo que houve hoje uma "demissão em massa" em uma empresa cujo nome  evidentemente não citarei, de acordo com as atualmente ex-funcionárias da mesma. Um grupo de mulheres enfurecidas esbravejava pela falta de idoneidade da empresa, ao comunicar os cortes apenas hoje, aproximadamente às duas da tarde. "Eles me fazem vir trabalhar às sete e quarenta, pra me demitir só agora". Foi, com certeza, um problema coletivo. E cômico, porém trágico. Mais gente não está trabalhando atualmente. Helena, por exemplo, que disse que seus problemas acabaram quando ela me viu (não entendi ao certo o significado disso, acho que ela estava de sacanagem com a minha cara, mas tudo bem), tirou uma foto e depois contou seus males: "sou advogada, trabalhava em um escritório por aqui, mas minha chefe era um demônio e eu resolvi sair para estudar para um concurso público. Saí, mas agora estou sentindo falta do escritório". E se tem, algo que eu pude concluir até então, é que advogados sofrem; um camarada que depois de contar seus - muitos - problemas, decidiu não se identificar, foi muito incisivo em suas colocações: "tô puto por causa do fórum, não quiseram anular o processo. São Paulo é muito poluída e eu não consigo ver as estrelas no céu, a noite. O sistema jurídico do Brasil é uma bosta. A bomba do radiador do meu carro quebrou hoje, acordei gastando dinheiro. E a garota com quem eu saio é muito nova". "Quantos anos ela tem?" "Dezoito". Dezoito. Hum, será mesmo? 
Depois disso, vários problemas emocionais:
"Sinto falta de dinheiro. E de uma namoradinha", "não consigo arrumar um  namorado", "meu problema é falta de mulher", "tô completamente sem rumo na vida", "tenho medo de arriscar", entre outros. E então, alguns problemas bem simples, como por exemplo, espinhas. Compartilho do mesmo, por sinal, meu amigo. Depois desses, alguns mais sérios, como "tenho um filho internado por causa das drogas e outro está preso". Confesso que foi um pouco difícil ouvir isso. Também houveram as antíteses, como uma mãe dizendo "descobri hoje que meu filho fuma maconha", e um rapaz bem jovem que revelou que seu problema era exatamente o fato de a maconha não ser legalizada. 
Algumas pessoas foram furtadas, falta de dinheiro em excesso, um paradoxo pra deixar este parágrafo engraçado.
E agora, a parte mais engraçada: os problemas sexuais da moçada: "não consigo uma oportunidade de fazer sexo e isso faz com que meu relacionamento de um ano fique extremamente chato", "minha namorada não quer fazer sexo anal comigo" - um detalhe importante é que a namorada em questão estava do lado do rapaz que contou isso, e eles estavam tranquilamente discutindo a respeito, ela inclusive me perguntou se deveria e eu perguntei se quando criança ela era fã da Sandy -, "não transei, mas estou atrasada há um mês", ou seja, temos aí uma nova Nossa Senhora. 
Demorou para encontrar, mas é claro que teve reclamação do juiz ladrão. Nem sempre o apito amigo entende de quem ele é amigo, uma pena. Lamento por isso, amigos corinthianos. Mas, como eu não sou, ao contrário do que todos falam a respeito dos são paulinos, uma má perdedora, devo reconhecer também um camarada são paulino que disse estar desapontado com o time. Tem motivos para isso, é claro. "Meu time está muito ruim, tenho que usar a camisa de outros clubes. Trânsito também é um problema, e por isso, eu sou um cara que se atrasa, sempre. Sempre atraso pelo menos meia hora para chegar a qualquer lugar, mas a minha namorada consegue ganhar de mim. Chego meia hora atrasado, mas ela consegue chegar duas". Complicado. 
E por último, mas não menos importante, estando eu em frente ao metrô consolação, eis que me surge um rosto muito familiar. Minha irmã, que disse ter um problema do qual discordo, pois acho que é justamente uma solução para todos os problemas da vida: "tenho uma irmã estranha que pergunta sobre os problemas das pessoas na rua". Fantástico, obrigada, São Paulo!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Conte Aqui Seus Problemas

Hoje, quarta-feira, 15 de maio de 2013, fui às ruas para ouvir problemas alheios. Ouvir, apenas, sem absolutamente nenhum outro intuito, senão o de tomar nota do maior número de problemas transeuntes possível. 
Evidentemente, essa atividade tomou algum tempo para ser compreendida à Avenida Paulista, às duas da tarde, mas o que posso dizer, da experiência em si, é que foi, sem dúvidas, algo maravilhoso. Divertido, prazeroso mesmo. Conversei com todo o tipo de gente, ouvi todo o tipo de problema, desde o mais relativa e aparentemente simples ao mais relativa e aparentemente complicado de se resolver. A nenhum deles ousei tentar arranjar solução, afinal, ao contrário do que dezenas de pessoas me perguntaram, minha empreitada não possui nenhum tipo de valor científico, e meus interesses não são psicológicos. Eu realmente só queria conhecer um pouco dos meus conterrâneos, ver mais de perto suas mais variadas realidades, saber da vida deles. Fui fotografada algumas vezes - o que é um desastre, pois eu estava horrível mesmo, mas não importa -, conversei em inglês com uma argentina e um americano, que reclamaram da dificuldade de seu relacionamento, por morarem em países diferentes e até mesmo improvisei meu - péssimo - espanhol, tentando aos trancos e barrancos, entender um boliviano que disse algo parecido com: "La vida es un problema" (Eu realmente não sei falar espanhol, mundo). Gracias, meu chapa.
Era engraçado de verdade ver a reação das pessoas ao me verem segurando esta plaquinha no meio da calçada, o processo era mais ou menos esse: primeiro, o cidadão está andando tranquilamente pela rua, quando avista uma pessoa que carrega uma placa pendurada no pescoço, com os dizeres: "CONTE AQUI SEUS PROBLEMAS". Isso sem dúvidas chama atenção, mas ah, é a Avenida Paulista, essa é só mais uma daquelas pessoas que inventam moda por aqui. Lugar doido, meu Deus. Em segundo lugar, depois de ler o que a placa diz, algumas pessoas repetem em voz alta, e aí é que entram as reações mais engraçadas: a mais comum é aquela risada larga do brasileiro, seguida de um "Ah, se eu fosse te contar todos...!". Há também a turminha feliz, que "não tem problemas", e a outra parte que compartilha, na maior parte das vezes, rindo e achando o maior barato. Algumas contam os problemas do amigo do lado, a maioria diz que é falta de dinheiro, de sexo ou de amor, problemas com a equipe de trabalho e chefia, ou ainda "sair do escritório na zona leste, chegar ao fórum sem ter almoçado e dar de cara com o mesmo fechado". É de matar. 
Uma que eu achei fantástica, em particular, foi a do rapaz que disse viver um eterno "cachimblema". Para os leigos, segundo o Dicionário Moderno da Língua Popular: "Cachaça, Chifre e Problema". E quando dizemos "cachaça, não é pouca: o coitado bebe Balalaika, Natasha e Velho Barreiro todo dia. Ok, talvez essa parte seja brincadeira dele. Mas não pensem vocês, leitores, que só civis choraram suas pitangas: teve policial reclamando que não voltava pra casa há quinze dias, não tinha folga e férias, queridos, só a cada quatorze meses. Houve que reclamou de assalto, houve até mesmo gente que acabou de se assumir homossexual e só queria mesmo dividir isso com alguém. Achei super legal! Minha primeira vítima nas ruas foi a Lia, que disse que a ideia foi muito criativa e definiu seu problema como o vício de fumar. "Queria muito parar de fumar. fumo há quarenta anos, e às vezes as pessoas me olham como se eu fosse uma criminosa". Foi tanta história engraçada, que de fato, não caberia aqui detalhar todas. O rapaz que sofre bullying no call center, por ser heterossexual, um professor de artes em greve, que disse que a situação está difícil porque a diretora da escola boicota a mesma, um homem que se diz muito afobado e ansioso, e por isso seus colegas de trabalho não o compreendem. Apesar disso, ele quis deixar bem claro, não sofre de ejaculação precoce. Juro, ele disse isso. Sobre trabalho, uma moça que não quis ser identificada disse: "tenho medo de ser demitida desde o dia em que entrei na empresa". De fato, complicado. Também foi dito, sobre o mesmo assunto: "meu problema é meu gerente. Ele só pega no MEU pé". Perseguição, isso aí é crime. O Daniel, no meio de vários colegas de trabalho, foi sincero em suas colocações: "pego trem, tenho péssimos colegas de trabalho, estou cansado do cursinho e meu noivo mora longe demais."
Na ala dos problemas físicos, teve gente que descobriu hoje uma necessidade de voltar a fazer hemodiálise depois de 8 anos, e estava desapontada pelo governo obrigar alguém com uma desfunção tão delicada a trabalhar. Teve quem simplesmente encara uma dor de cabeça de mais de dois anos como rotina, e não se importa mais com ela. Também teve quem precisa fazer uma prótese, mas o hospital das clínicas está em reforma, já fica aí a informação, procurem um outro hospital. E por enquanto, ficam só esses problemas. 
De qualquer forma, esta foi uma experiência da qual não vou me esquecer, e com certeza, em breve, se tudo der certo, teremos mais. 

sábado, 4 de maio de 2013

Fúria da Existência

A tranquilidade já vencida, idealizada
Na incerteza imensa do futuro
Tornou-se por si só um muro
Que bloqueia a criação conturbada.

Os sons daquela agonia calada
Veículos podres do espírito imaturo
Ecoavam agudos no átrio mais obscuro
E ao certo invadiram os portos do nada.

Ausência confusa do quente desejo
Pôde apenas remeter a todo o desespero
Faça visto o vão empenho ao sentimento.

E sobre o vácuo do singelo gracejo
Que seja posto valor de porte austero
Pois já não mais sacia o amor de momento.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Percepção

Vi claros em cada rosto da rua
O medo da morte,
O medo da chuva.

Julguei notáveis em cada sorriso
Uma grande tristeza,
Um melancólico aviso.

Julguei notáveis em olhos brilhantes
Uma decisão incerta,
Uma necessidade gritante.

Vi claros em cada homem de sorte
O medo da chuva,
O medo da morte.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Impaciência

Tamborilava na mesa dedos sem ritmo
A felicidade lhe respirava ofegante
Naquela velha angústia constante
De já não mais dormir no íntimo

Aos sons do dia
Ao silêncio da noite
Às alegrias
Ou ao seu açoite.

A espera calava em sua boca
E a esfera de moldes sem face
Rompia impiedosa um enlace
Fundamentado em casca oca.

À calmaria do dia
À turbulência da noite...