quarta-feira, 10 de outubro de 2012

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Os temporários vitupérios improdutivos voltaram trazendo consigo um reservado desejo de morte como daqueles antigos, dor aguda e inconsciente. Inconsciente e, é claro, superficialmente sem causa. Mas qual foi o homem que decidiu, por nós todos, que toda dor e toda angústia tem de ser causada por algum motivo digno? Pois, caso encontrem o sujeito, digam a ele que tenho objeções concernentes. 
Ora, se nem mesmo as causas daquele maldito amor pode encontrar o homem conhecedor, e nem mesmo o soluço -sim, o soluço, aquele que temos na dignidade ignorante do jantar em família- foi explicado, por que raios devo saber da minha própria dor? Passa a saudade, passa o carinho, passa a vontade, e que culpa tenho eu desta minha condição de sofredora dos inconstantes pulsos de indecisão e angústia? Que culpa tenho eu de tantas vontades mal pagas? Que culpa tenho eu de habilidades tão escassas? Que culpa tenho eu de tamanhas dores?
Pois possuímos o destino em sonho, mas ele não o condiz; possuímos crenças incrédulas e ninguém percebe, ninguém sabe como não viver para criticar e sim para ajudar; não tem culpa, mas dói como se tivesse. Culpar, aliás, é muito difícil, por ser o mais fácil a se fazer.
Já explico; antes mesmo das fatais respostas que os explicadinhos possuem sempre guardadas em sua vasta bagagem: Se o sonho condiz com a realidade, não é mais sonho, e coitados dos sonhadores, desamparados; Os realistas não saberiam lidar com sonhadores desamparados; Ficariam todos loucos. E por que não um mundo só de realistas? Muito prático, muito calculado. Até que chegassem por fim à loucura da falta de beleza que os sonhadores -bons amantes, por sinal- espalham pelo mundo como desapercebidos. E é provável que esteja bem aí a grande diferença entre os sonhadores e os não sonhadores: um simplesmente vive, enquanto o outro planeja e cria vida. Vidas. Ou não tão vidas assim.
E nesta explicação eterna onde eu me confundo e falho em todo o resto, nesta interminável -até terminar- resolução mal resolvida da vida, perdeu-se mais uma vez o encanto, ganhou-se mais uma vez aquilo que já foi dito. Mas continuamos vivendo nesta condição miserável de existência rebelde e acomodada ao mesmo tempo, continuamos pois é natural, continuamos sofrendo por obtenção de prazer -outra questão não explicada-, continuamos e, sinceramente? Admito sim que esta mudança eu não quero admitir. Nem você.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Filhinho,

- Olha aqui pra mamãe, olha? Quem é o nenê? Quem?
- Filhinhô, fala ma-mãe. Ma-mãe. Coisa linda!
- Filhinhô, vem cá, vem. Assim, um pézinho primeiro.. isso! Parabéns!
- Filhinhô... tira a mãozinha daí, tira...
- Filhinhô... não põe isso na boca não, faz dodói!
- Filhinho, sai de traz do fogão, sai!
- Filhinho, acorda, hora da escolinha.
- Filhinho, acorda, hora da escola.
Filhinho...
- Filhinho, que notas são essas, hein?
- Filhinho, senta aqui que a gente precisa conversar...
- Filhinho, onde é que você vai? - minutos e explicações depois - nada disso, nem pensar, filhinho.
Filhinho, filhinho...
- Filhinho, tem certeza que você quer isso mesmo? 
- Filhinho, estou tão orgulhosa...
- Filhinho, hoje você vai dormir em casa, né?
- Filhinho, que é isso aí no seu bolso?
- Filhinho, quem é esse aí na foto? E aquela?
- Filhinho, quem é essa?
- Filhinho, ela não é meio... estranha?
- Filhinho, e a faculdade, como vai?
- Filhinho, terminou com ela? Ainda bem.
- Filhinho, outra? Assim, de repente? É boa moça?
- Filhinho, a de antes era tão mais legal...
- Filhinho, espera um pouco, vocês são tão jovens, tem certeza?
- Filhinho, você sabe que pode voltar quando quiser, né?
- Filhinho, ela cuida bem de você?
- Filhinho, como assim, "filhinho"?
- Filhinho, quando é que vocês vem?
- Filhinho, papai está muito mal...
- Filhinho, eu estou muito mal...
- Filhinho, adeus.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A Mão

A mão veio se achegado, ainda distraída mesmo, sem saber para onde se rastejava. A outra estava ali, sem tristeza, nem felicidade; apenas estava.
A mão chegou perto, e ainda que algo a puxasse, só continuava pois ainda não tinha aonde ir. Não percebia, apenas vivia aquela busca por nada. Tocaram-se.
Mas foi sem querer, do nada, como podia aquilo? Um simples toque. Tudo aquilo.
O toque foi involuntário, mas mais involuntário foi o que o seguiu. Uma sequência, uma frequência, só de toques, entre aquelas duas mãos, agora um tanto úmidas de um suor repentinamente frio; muito ávidas daquelas toques instintivamente quentes.
Passou a primeira mão a envolver a segunda com seu gesto um tanto -muito- evasivo. Ela cedeu, ainda que fingindo não perceber. As respostas eram impulsos, os impulsos tomaram consciência. Uma consciência meio escondida, uma distração. Os olhos seguiram a mão. Encontraram-se. Um impacto, quase vacilaram, os olhos, subitamente começando a pensar em olhar para outro lado, mas a curiosidade era maior do que a própria hesitação involuntária. Mantiveram um mesmo olhar, curioso, impreciso, um tanto vacilante, mas sempre ali, no outro. Tentaram entender. Foi impossível.
Que era aquilo? Quem era aquela? Só pôde continuar ali, olhando para ela, com as mesmas mãos, agora ligeiramente trêmulas. As mãos estavam bem ali, como sempre estiveram, talvez esperando, talvez apenas estando, mas não importava, nada importava além daquilo, além das mãos. Envolveram-se mais e mais, sem desviar o olhar, e seguraram uma a outra, com força. Nada era dito, e nem de dizeres havia necessidade, naquele mar de obsolências abstratas que chamavam vida -isso antes daquele momento, mais tarde seu significado viria a mudar- a não ser, aquele momento. A não ser aquelas mãos.