domingo, 30 de setembro de 2012

Falhas

Cada dia se torna mais estranho observar que os atuais moldes da sociedade formam hoje um novo conceito de pseudo feminismo, cujas características nada seguem senão uma linha de raciocínio puramente oposta às raízes daquilo que se denomina feminismo, realmente. 
As gerações atuais preocupantemente entendem por feminismo uma explícita (explícita sim, a quem ainda detiver a capacidade de pensar claramente) depreciação da imagem feminina, tomando-a erroneamente por bela.
O exibicionismo gratuito do corpo feminino vem sendo aplicado à sociedade de maneira subliminar, tendo como desculpas a pobreza e a sub cultura característica dos morros e comunidades carentes brasileiras, assim como tantos outros comportamentos deploráveis que o pobre tem, usando sua condição social como pretexto para tal.
é de fato muito cômodo fazer uso dessas tais condições de modo a causar impacto na sociedade, e o pobre descobriu isso. Acontece que tais impactos não prejudicam apenas a sua vida, como também a sociedade de modo geral.
Enxergar como patrimônio cultural nacional algo imoral não é inconcebível, antes, observa-se já atualmente esta consideração; o inconcebível da situação é permitirmos que se façam usuais as facilidades fornecidas pelo próprio Estado a essa cultura de violência, comodismo e animalizado que contribui infinitamente para a desmoralização do cidadão de bem. 
Não existem preceitos quando se trata da "arte" aplicada, mas sem dúvidas existem, e não devem continuar sendo ignorados, preceitos concernentes à educação e à própria dignidade humana, que, não é necessário muito para se enxergar, está sendo ofuscada pela alienação da massa e torna-se obsoleta em nosso país. 
Existem preceitos quando se trata do futuro da nação. Existem preceitos quando se trata de real incentivo à cultura e projetos sociais de eficiência e qualidade. Existem preceitos quando se lembra que somos seres racionais, adaptáveis e sofredores de diversas evoluções, e que temos em nossas veias, necessidade viva em correr atrás de nossas próprias evoluções. 
E ignorar estes preceitos é o que mais torna falhos os nossos programas de governo, nossa educação e nosso planejamento familiar, causando os problemas sociais que estamos habituados, acostumados e acomodados a ver sem procurar solução, fazendo piadas a respeito, como se não interferisse diretamente em nossas vidas.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Retrato Melhorado

- Que há de errado com você? - Suspirou desiludido, afundando-se na poltrona e naqueles pensamentos da essência.
- Assim, de errado, nada. Por que a pergunta?
- Estou cansado. Provavelmente não sei mais do que estou falando.
 Sempre sabia do que falava, ela pensou. Sentada de frente para a penteadeira, tirava agora os brincos, enquanto ele a fitava com algo que apenas não demonstrava sentir.
- Você parece cansada também.
 Um dos brincos caiu quando ela foi colocar sobre a penteadeira. Abaixou-se para pegar e ele permaneceu sentado, uma mão jogado ao ar, a outra pressionando o copo contra o peito, ainda forte em virilidade e sadio. Bebeu pelo canto da boca um gole do uísque que fora mais aprazível, um dia.
- Ando apenas um pouco enfadada, Roberto. Nada demais.
- As crianças do coral?
- Também.
- Lhe aborrecem muito?
- Nada demais, já disse. E você?
- Eu o quê?
- Você está assim por quê?
- Trabalho, não importa - Deu de ombros - Perguntei primeiro.
 Abriu de leve aquele sorriso cínico entortando os lábios, costumeiro quando se davam seus gracejos.
 Ela ria, olhando para ele pelo espelho da penteadeira, enquanto se ajeitava calmamente. Ele ainda tinha seu charme, aquelas mangas da camisa bem dobradas e as feições inteligentes e sarcásticas, embora ligeiramente envelhecidas, ainda transmissoras de peculiar altivez.
- Você é engraçado. Ainda.
- Não diga - Coçou o queixo, não muito surpreso.
- Começa essas observações aleatórias e nunca se sabe onde vai parar.
 Deixou de lado os brincos, a escova de cabelo e o próprio espelho, virando-se na cadeira para botar firmes e atentos os grandes olhos azuis sobre ele, como fazia ao tentar adivinhar o que ele pensava. Ele se mantinha estático em sua condição irônica beirando uma excentricidade meio misteriosa, meio "meia-idade", e no riso retorcido franzia a testa, de graça, desconcentrando-a de uma vez, ao arrancar dela uns bons sorrisos. Dentro dele, porém, aqueles olhos é que eram os do desconcerto.
Sentiu-se vivo ali algo que por vezes parecia meio agonizante, meio moribundo. Sentiu-se quente e vivo.
- Eu te amo. Ainda.
- Você e isso de "ainda". Coisa daquele seu amigo que parece amiga.
- Por que tanta perseguição com ele, ciúme?
- Ora, vamos, nada disso.
- O que, então?
- Não é ciúme, minha cara. Ledo engano. Acho apenas companhia desnecessária a da pessoa dele.
Ele agora se mexia um pouco na poltrona, talvez um pouco desconfortável, até arrumar-se por fim com a perna direita sobre a esquerda, ambos os cotovelos sobre os braços do estofado, cruzando-se as mãos no ar, fechando uma espécie de base onde apoiou o queixo, muito austero, observando-a falar e mexer o cabelo. O copo, deixou sobre uma mesinha.
- Mas não disse que me ama.
- Não preciso dizer, sei bem disto e você também sabe - as mãos firmes faziam o rosto subir e descer quando falava, uma cena um tanto cômica - As palavras por vezes não se fazem necessárias, posto que são apenas consequências.
- Consequências de que?
- Dos fatos.
- E os teus fatos, quais são?
- Estes teus olhos curiosos que você tem aí na cara. Eles são os meus fatos.
 Continuaram a se olhar, ela agora mais satisfeita, com seu belo vestido de renda de tom pastel, uma mulher elegante. Ele a pediu que o tirasse.
- Que você disse?
- O vestido, tire.
 Tirou.
- Venha, aproxime-se - Bateu na perna, agora não estavam mais cruzadas, e sim abertas - Sente-se aqui.
 Ela foi até ele, pegando o copo e arrematando o último gole do uísque. Sentou-se em seu colo. Mexiam um nos cabelos do outro.
- Então, diga que me ama.
 Ele deslizou o dedos pela cintura, olhando fixamente em seus olhos, como se estivesse de fato hipnotizado pela embriaguez que eles particularmente possuíam.
- Não só te amo... como lhe faço ainda hoje um filho, ou não sou mais eu.

A Pulga

A pulga pulou veloz por montinhos de pelos vagarosamente mornos, ainda adormecidos. Fez seus caminhos sucintos, pisando em seu destino inegavelmente previsível de cumprir, no maravilhoso ciclo da biologia, seu dever de mercenária, aos humanos, vilã.
O gato, gordo e preguiçoso, a satisfazer estereótipo de criação humana ou divina, descansava pesado em alguma parte quente daquele ambiente, após o almoço que não lutara para conquistar. Por vezes, abria os olhos lentos de sono, a lamber alguma parte do corpo ou ajeitar-se mais confortavelmente, não se importando com razões ou essências. 
As formigas da cozinha em austeridade incomparável engenhavam uma trilha, inscientes da perfeição que lhes era atribuída, galgando apenas, e apenas almejando um pouco para sua rainha de naturezas irracionais. 
O açúcar era inato, mas se acaso fizesse graça de prosopopeias, seria de incomensurável aprazer que houvessem tão magníficas criaturas deleitando-se em sua monótona condição de ser figurativamente vivo.
Já o homem, ah, o homem... Dono de polegares opositores, vítima dos mais variados amores, pensador de furtivos ardores; o homem, nauseabundo diante de tão patéticos seres, altivo e detentor de sabedorias complexas e paradoxalmente irônicas entre si, permanecia sentado em seu trono de superioridade, arquitetando as mesmas coisas que ninguém ousava interpretar de outra forma que não fosse a própria, do ego. O homem nada sofria se não suas próprias dores; o homem em nada cria se não naquilo que lhe era conveniente crer; o homem abusava e nem mesmo se dava conta de que até o mal que a condição humana causava girava em torno de sua egoísta existência. 
O homem imergia em profundos conflitos existenciais, ouvindo por melífluos os cantos mefistofélicos do ser. 
E ainda assim, todos - os da raça humana, é claro - diziam e faziam repetir: "o homem é consciente, o homem é racional", como se fosse esta a maior gratificação deste belo universo de criações tremendas.
E enquanto isso, há pouca distância (no aspecto físico) daquele ser de obscuras entranhas, continuava a pulga a se alimentar do sangue do animal preguiçoso alimentado pelo homem, O Grande, até que por encargo de seu destino, tão fétido e tão inferior quanto seu próprio ser, simplesmente caiu morta, e morta ali ficou, no pelo morninho do gato, no colo arrogante do homem encerrando assim, o maravilhoso ciclo da biologia irracional.

sábado, 22 de setembro de 2012

Sobre Felicidade e Poesia


Era apenas uma questão de ser feliz. Observava de minha particularidade, o mundo, e como ele buscava a felicidade. Todo mundo quer ser feliz. “eu não vou sofrer por amor, eu nasci para ser feliz”. Qual o que, a semana seguinte já seria regada a choro de moça virgem trocada por uma loira boa, daquelas que todo homem gosta. Eu pensava comigo, naquela influência mundana, no que me faria feliz. Menino sem jeito viria, em breve, a ser homem sem jeito também. Na falta de jeito, não encontrava nada para me fazer feliz. Ou melhor, encontrava sim; o tal do amor, ele parecia que fazia a gente feliz.
Mas é que às vezes o amor parece tão distante, tão banalizado. Mulher não sabe amar. Homem também não. Talvez eu é que não saiba, mesmo. Mas a questão não é o amor, e sim a felicidade.  Porque por mais que haja amor, pode não haver felicidade, e assim não pode, assim não dá.  Se não há felicidade nesse amor, melhor então que não haja mais amor. A tal da felicidade é o que importa, no fim. Finalmente, encontramos o que realmente importa. Ou talvez não. Pra mim essa felicidade não é bem assim, porque pra mim nunca nada é bem assim.
Isso de normas morais, estruturas psicológicas, nunca entendi. Por que ser feliz? Por que ter dinheiro? Por que viver com uma loira boa daquelas que todo homem gosta? Na verdade, corrijo-me: as morenas é que são boas pra se viver, as loiras são melhores por fora. Para se viver é melhor uma dessas simples, nada de muito sensual e extraordinário, que é pra não chamar muita atenção alheia, só dentro de casa. Por que afinal? Ser feliz é bom, é. Ser feliz não é possível quando se sabe demais, diziam. E não é mesmo, veja bem: a tal da morena, boa pra se viver, ela mesmo, parece bem simples, parece bem boazinha, mas quando se vira as costas, ela também arruma outro por fora.  Quem não sabe, vive bem. Quando se descobre é que a coisa desanda. A ignorância, linda ignorância, ela é que é o segredo da tal felicidade. Tá, tá, vá lá, bela felicidade essa. Mas ser feliz, ser feliz sem poesia: qual é a felicidade de ser feliz sem poesia? E qual é a poesia que é feliz? Onde está a poesia dessa felicidade impulsiva, sem limites? Esse é um oceano onde todo homem, toda loira, toda morena e toda moça virgem mergulham de olhos abertos em busca obstinada pela maldita felicidade. Ora, quem mergulha de olhos abertos no sal desse mar amado que não é de Jorge, morto de poesia, tem logo os olhos feridos, ardem como o cão.
Poesia é melhor que felicidade. Poesia não é feita de felicidade. Poesia, poesia nasce de morte, poesia nasce de falta de entendimento, ou de entendimento demais, poesia. Satisfação poética, talvez se assemelhe a felicidade, aquela sensação de incomparável prazer que se sente ao terminar o último verso, ao deixar um ponto de interrogação ao invés de ponto final, então, é coisa linda de se fazer. Não muito disso é o que se salva quando se tem felicidade. O amor talvez resolva estes problemas, daquilo que o homem enganado chama “falta de inspiração”.
Esse amor, necessidade minha de sofrer para expressar a poesia da alma. Esse amor, necessidade de suprir felicidade, em necessidade de se ter poesia, viver de poesia, viver de nada, viver de abstração, de filosofia vã, de tudo. Viver do vazio de amor, viver do que se faz quando se tem um vazio de amor, viver de ausência, falta da vida propriamente dita, e viver até mesmo da morte de espírito alheia. Vou mesmo é me esquecer da loira, da morena, esquecer de ser homem, esquecer das eventuais falhas, que agora já não mais exercem o papel de evento, mas tornaram-se característica firme e concreta em mim, homem, menino, triste. Triste de amor, triste de ausência, triste de felicidade, triste por qualquer outro motivo, mas triste sempre por poesia, viva ou morta, triste ou não, mas poesia. E poesia feita de falta de felicidade. E que fique bem claro: não me importa a felicidade do mundo, ou o que ele procura. Eu me importo é com poesia, eu busco é poesia. Felicidade é obsoleta.
 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Confissão


Sou jovem então, tendo tempo a errar
Mergulharei a desmedir este excesso
Digno por hora, contudo, confesso:
Descobri por fim, sou incapaz de amar

Sentimentos não soube controlar
Ou de maneira alguma, razões meço
Pelos males, com pesar me despeço
Deste presente incurável cuidar

Assim de vitórias, foi perdedor
Cuidando que houvesse tal bem, comum
Quando era tudo em verdade, ilusão

Assim de concretos, foi vaga dor
E aquilo que acreditava ser um
Transformou-se loucamente em milhão