sexta-feira, 31 de maio de 2013

Conte Aqui Seus Problemas [4]

Foi um feriado frio. O céu era cinza e o clima, propício aos cobertores, moletons, chocolates e filmes cheios de preguiça de sair de casa. As ruas, na imaginação de uma grande parte dos paulistanos, deveriam estar completamente desertas. Mas, sabemos, não foi assim que aconteceu, afinal, se tem algo que o tal do paulistano gosta, e muito, é de rua. E ontem, a rua estava cheia. Se de pessoas vazias ou não, não posso dizer, mas que tinham problemas eu sei. E de vários tipos, como sempre. Dos mais comuns, "a falta de dinheiro no bagulho, tá ligado?" com certeza reina. Posso ouvir as pessoas todos os dias, e tenho quase certeza de que nunca deixarei de anotar esse problema. Nunca. Mas, o financeiro a parte, vamos tratar dos corações paulistas: "fui chifrada e tô solteira. Perdi dois anos da minha vida com aquele desgraçado." Ao lado dela, o amigo reclama por estar sem celular, e também pelo fim de um relacionamento. E aí, uma terceira diz que o fim de um relacionamento não é tão ruim assim, o que gera polêmica: "mas é claro que pra você não é ruim, foi você quem terminou o seu." Antes de ir embora, a primeira deles ainda deixou comigo uma reflexão revolucionária, praticamente se propôs a mudar o significado de uma palavra: "descobri que puta é quem dá de graça." Ainda não entendi ao certo a complexidade e a filosofia contidas nessa frase simples e curta, se alguém souber expressar com maior clareza as mudanças no sentido pejorativo do termo 'puta', favor entrar em contato. Depois dessa verdadeira pérola, o amigo a puxou pelo braço, agradeceram e saíram discutindo a respeito. É engraçado, aliás, quando agradecem. Teve alguém que simplesmente chegou perto, me estendeu a mão direita para uma saudação e disse: "parabéns por isso!" Obrigada, obrigada.  O Felipe me agradeceu, também. O maior problema dele, atualmente, é estar desempregado. Boa sorte, Felipe. 
Pela segunda vez, me perguntaram sobre os meus problemas. Não me lembro da resposta, anotei o problema de quem perguntou: o Guilherme. "Vivemos em uma colônia muito fechada, onde todo mundo sempre sabe o que todo mundo faz." Conversei com ele e seus amigos por um bom tempo, por sinal. Um deles se parecia muito com algum ator brasileiro que não sei o nome, e pareceu ter de fato uma porção de problemas: "sou instável e mudo de humor muito rápido. Moro longe da escola, sou muito mulherengo, muito natureba e tenho uma perna maior que a outra. Também não sei controlar meu dinheiro." No mesmo grupo um casal afirmou ter um problema em conjunto, sendo ela o problema dele e vice-versa. Ele acrescentou ao fato dela ser seu problema, o fato dela "não deixar seu cabelo ficar legal". Não devo opinar a respeito, não devo opinar a respeito. E ainda nesse belo "grupo de doidos", como disse alguém dele, uma das garotas é "muito baixinha", e a outra não quer namorar com o cara com quem sai atualmente. 
Um pouco depois eu encontrei alguém que tem vontade de se suicidar, mas não sabe por quê. E me ofereceu um cigarro. Um suicida muito simpático. E talvez sob efeito de algumas substâncias ilícitas, mas só talvez. Encontrei também alguém que não faz sexo há um ano, esqueceu como é ter amigos e por mais que odeie gente chata, é tudo o que encontra por aí. Uma vida complicada, e talvez igualmente sob efeito de algumas substâncias ilícitas, mas, novamente, só talvez. 
O último depoimento, feito entre risos e pausas dramáticas, começa de um modo simples, porém perigoso:
"Eu era amiga de uma menina. Um dia, o ex-namorado dela pediu para ficar comigo e eu disse que não." Em consideração a ela, é claro. "Mesmo assim, ela achou que eu tinha ficado com ele e parou de falar comigo, do nada." Depois, fiquei com ele só por raiva." Sim, somente por raiva mesmo e nada mais. "Aí, ela veio e me mandou uma mensagem me xingando por isso". Olha que sem noção?! 

terça-feira, 21 de maio de 2013

Conte Aqui Seus Problemas [3]

O dia amanheceu frio, chuvoso, de cara amarrada e não querendo papo com ninguém. Lá pelas duas da tarde, no entanto, começava a aparecer um solzinho bonito, um pouco tímido, é verdade, mas o suficiente para iluminar a cidade de São Paulo. E lá, na Avenida Paulista, novamente estava eu. Ou melhor, estávamos: eu e minha bela placa. Vamos portanto, ao que importa; na sessão de problemas amorosos, o dia já começou ótimo: "minha mulher é problemática, ela faz um inferno". E pela Ênfase, deve ser mesmo, sabe. Além disso, algo particularmente engraçado aconteceu ali na frente da estação Trianon: um funcionário do banco apareceu pela janela de vidro e me chamou até a porta, onde disse estar um pouco preocupado com o início de um namoro com alguém que estuda na mesma faculdade. Mais tarde, ao lado de um menino com cara de coitado, lá estava ela, a megera indomada: "sou muito grossa com meu namorado". Imagine só isso, que nada. Depois, ela mesma disse que não se achava boa o bastante para ele. Amiga, não se sinta mal por isso. 
E ali mais a frente, encontrei um camarada em apuros, que apontou para sua pretendente e disse: "esta garota não gosta de mim". Puxa vida, eu disse. Dê uma chance ao rapaz, moça. Ainda na mesma sessão, encontramos lá na Rua Augusta um jovem rapaz em situação desagradável: "minha ex-namorada terminou um noivado há pouco tempo porque ainda gosta de mim. Só que agora eu estou namorando". Essa é aquela coisa dos amores platônicos e idealizados, quando é possível não tem graça. Também existe aquele velho problema chamado "ex-namorada".
Mas nem tudo acaba em amor. "Sou muito pervertida e só penso em sexo o tempo inteiro", "tem muito pão com ovo se achando big mac" e "minha mãe me chama de vagabundo" foram as frases sem dúvida mais... Tocantes de hoje. E por falar em Big Mac, na hora do lanchinho visitei um Mc Donald's por pura falta de vontade de procurar algo melhor para comer (porque particularmente, meu problema é com a montagem dos lanches do Mc Donald's, que é péssima e muito provavelmente possui algo contra mim, já que meus lanches estão sempre mal feitos), e adivinhe só você que um atendente de lá não se aguentou e desabafou: "não aguento mais esse lugar, é um inferno. Adoro todos os meus colegas, mas não tenho nem vida social". E aí então, entramos, por fim, na sessão mais esperada: dinheiro, trabalho e, consequentemente: problema!
"Trabalho de segunda a segunda, estou cansado e estressado", foi o que disse alguém ali perto do MASP. Mas é claro que para se ter um problema com o trabalho, não é preciso trabalhar de segunda a segunda. Tem gente por exemplo que assumiu  ser o próprio trabalho o maior problema. A falta de dinheiro reinou: "dívida de R$50.000,00, dívidas de R$5.000,00, falta de dinheiro novamente, "a empresa não paga meus direitos", "fui demitida pois minha chefe não gostava de mim", "estou sem dinheiro, vou ser pai, pagar pensão e vai ser menina", "tenho um filho para criar e fui despejado" e mais uma vez, volta à pauta o tal do Mc Donald's: " a administração do Mc Donald's é péssima, a cada dia surge uma regra nova só pra complicar nossas vidas, isso atrapalha muito a gente". Poxa, Mc Donald's...
"Tenho vergonha de conversar em público" foi o que disse um daqueles homens que abordam pessoas na rua para tratar de causas sociais. Paradoxos, paradoxos... 
E então, a Bruna queria dizer que há 2 anos largou seu emprego fixo, onde ganhava bem, para trabalhar na rua, sem saber se ganharia algum dinheiro (por que ela fez isso é algo que você não precisa se dar ao trabalho de me perguntar, pois eu não faço a mínima ideia). Hoje, ela sente dores nos pés e  está sem dinheiro. Exatamente igual a mim, exceto por um único detalhe: ela assumiu ser promíscua e trair muito o namorado, enquanto eu estou aqui, muito bem... Com a minha placa. 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Conte Aqui Seus Problemas [2]

Hoje é quinta-feira, dia 16 de maio de 2013, e os problemas coletados na Avenida Paulista são, em grande maioria, bizarros. Vamos começar dizendo que houve hoje uma "demissão em massa" em uma empresa cujo nome  evidentemente não citarei, de acordo com as atualmente ex-funcionárias da mesma. Um grupo de mulheres enfurecidas esbravejava pela falta de idoneidade da empresa, ao comunicar os cortes apenas hoje, aproximadamente às duas da tarde. "Eles me fazem vir trabalhar às sete e quarenta, pra me demitir só agora". Foi, com certeza, um problema coletivo. E cômico, porém trágico. Mais gente não está trabalhando atualmente. Helena, por exemplo, que disse que seus problemas acabaram quando ela me viu (não entendi ao certo o significado disso, acho que ela estava de sacanagem com a minha cara, mas tudo bem), tirou uma foto e depois contou seus males: "sou advogada, trabalhava em um escritório por aqui, mas minha chefe era um demônio e eu resolvi sair para estudar para um concurso público. Saí, mas agora estou sentindo falta do escritório". E se tem, algo que eu pude concluir até então, é que advogados sofrem; um camarada que depois de contar seus - muitos - problemas, decidiu não se identificar, foi muito incisivo em suas colocações: "tô puto por causa do fórum, não quiseram anular o processo. São Paulo é muito poluída e eu não consigo ver as estrelas no céu, a noite. O sistema jurídico do Brasil é uma bosta. A bomba do radiador do meu carro quebrou hoje, acordei gastando dinheiro. E a garota com quem eu saio é muito nova". "Quantos anos ela tem?" "Dezoito". Dezoito. Hum, será mesmo? 
Depois disso, vários problemas emocionais:
"Sinto falta de dinheiro. E de uma namoradinha", "não consigo arrumar um  namorado", "meu problema é falta de mulher", "tô completamente sem rumo na vida", "tenho medo de arriscar", entre outros. E então, alguns problemas bem simples, como por exemplo, espinhas. Compartilho do mesmo, por sinal, meu amigo. Depois desses, alguns mais sérios, como "tenho um filho internado por causa das drogas e outro está preso". Confesso que foi um pouco difícil ouvir isso. Também houveram as antíteses, como uma mãe dizendo "descobri hoje que meu filho fuma maconha", e um rapaz bem jovem que revelou que seu problema era exatamente o fato de a maconha não ser legalizada. 
Algumas pessoas foram furtadas, falta de dinheiro em excesso, um paradoxo pra deixar este parágrafo engraçado.
E agora, a parte mais engraçada: os problemas sexuais da moçada: "não consigo uma oportunidade de fazer sexo e isso faz com que meu relacionamento de um ano fique extremamente chato", "minha namorada não quer fazer sexo anal comigo" - um detalhe importante é que a namorada em questão estava do lado do rapaz que contou isso, e eles estavam tranquilamente discutindo a respeito, ela inclusive me perguntou se deveria e eu perguntei se quando criança ela era fã da Sandy -, "não transei, mas estou atrasada há um mês", ou seja, temos aí uma nova Nossa Senhora. 
Demorou para encontrar, mas é claro que teve reclamação do juiz ladrão. Nem sempre o apito amigo entende de quem ele é amigo, uma pena. Lamento por isso, amigos corinthianos. Mas, como eu não sou, ao contrário do que todos falam a respeito dos são paulinos, uma má perdedora, devo reconhecer também um camarada são paulino que disse estar desapontado com o time. Tem motivos para isso, é claro. "Meu time está muito ruim, tenho que usar a camisa de outros clubes. Trânsito também é um problema, e por isso, eu sou um cara que se atrasa, sempre. Sempre atraso pelo menos meia hora para chegar a qualquer lugar, mas a minha namorada consegue ganhar de mim. Chego meia hora atrasado, mas ela consegue chegar duas". Complicado. 
E por último, mas não menos importante, estando eu em frente ao metrô consolação, eis que me surge um rosto muito familiar. Minha irmã, que disse ter um problema do qual discordo, pois acho que é justamente uma solução para todos os problemas da vida: "tenho uma irmã estranha que pergunta sobre os problemas das pessoas na rua". Fantástico, obrigada, São Paulo!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Conte Aqui Seus Problemas

Hoje, quarta-feira, 15 de maio de 2013, fui às ruas para ouvir problemas alheios. Ouvir, apenas, sem absolutamente nenhum outro intuito, senão o de tomar nota do maior número de problemas transeuntes possível. 
Evidentemente, essa atividade tomou algum tempo para ser compreendida à Avenida Paulista, às duas da tarde, mas o que posso dizer, da experiência em si, é que foi, sem dúvidas, algo maravilhoso. Divertido, prazeroso mesmo. Conversei com todo o tipo de gente, ouvi todo o tipo de problema, desde o mais relativa e aparentemente simples ao mais relativa e aparentemente complicado de se resolver. A nenhum deles ousei tentar arranjar solução, afinal, ao contrário do que dezenas de pessoas me perguntaram, minha empreitada não possui nenhum tipo de valor científico, e meus interesses não são psicológicos. Eu realmente só queria conhecer um pouco dos meus conterrâneos, ver mais de perto suas mais variadas realidades, saber da vida deles. Fui fotografada algumas vezes - o que é um desastre, pois eu estava horrível mesmo, mas não importa -, conversei em inglês com uma argentina e um americano, que reclamaram da dificuldade de seu relacionamento, por morarem em países diferentes e até mesmo improvisei meu - péssimo - espanhol, tentando aos trancos e barrancos, entender um boliviano que disse algo parecido com: "La vida es un problema" (Eu realmente não sei falar espanhol, mundo). Gracias, meu chapa.
Era engraçado de verdade ver a reação das pessoas ao me verem segurando esta plaquinha no meio da calçada, o processo era mais ou menos esse: primeiro, o cidadão está andando tranquilamente pela rua, quando avista uma pessoa que carrega uma placa pendurada no pescoço, com os dizeres: "CONTE AQUI SEUS PROBLEMAS". Isso sem dúvidas chama atenção, mas ah, é a Avenida Paulista, essa é só mais uma daquelas pessoas que inventam moda por aqui. Lugar doido, meu Deus. Em segundo lugar, depois de ler o que a placa diz, algumas pessoas repetem em voz alta, e aí é que entram as reações mais engraçadas: a mais comum é aquela risada larga do brasileiro, seguida de um "Ah, se eu fosse te contar todos...!". Há também a turminha feliz, que "não tem problemas", e a outra parte que compartilha, na maior parte das vezes, rindo e achando o maior barato. Algumas contam os problemas do amigo do lado, a maioria diz que é falta de dinheiro, de sexo ou de amor, problemas com a equipe de trabalho e chefia, ou ainda "sair do escritório na zona leste, chegar ao fórum sem ter almoçado e dar de cara com o mesmo fechado". É de matar. 
Uma que eu achei fantástica, em particular, foi a do rapaz que disse viver um eterno "cachimblema". Para os leigos, segundo o Dicionário Moderno da Língua Popular: "Cachaça, Chifre e Problema". E quando dizemos "cachaça, não é pouca: o coitado bebe Balalaika, Natasha e Velho Barreiro todo dia. Ok, talvez essa parte seja brincadeira dele. Mas não pensem vocês, leitores, que só civis choraram suas pitangas: teve policial reclamando que não voltava pra casa há quinze dias, não tinha folga e férias, queridos, só a cada quatorze meses. Houve que reclamou de assalto, houve até mesmo gente que acabou de se assumir homossexual e só queria mesmo dividir isso com alguém. Achei super legal! Minha primeira vítima nas ruas foi a Lia, que disse que a ideia foi muito criativa e definiu seu problema como o vício de fumar. "Queria muito parar de fumar. fumo há quarenta anos, e às vezes as pessoas me olham como se eu fosse uma criminosa". Foi tanta história engraçada, que de fato, não caberia aqui detalhar todas. O rapaz que sofre bullying no call center, por ser heterossexual, um professor de artes em greve, que disse que a situação está difícil porque a diretora da escola boicota a mesma, um homem que se diz muito afobado e ansioso, e por isso seus colegas de trabalho não o compreendem. Apesar disso, ele quis deixar bem claro, não sofre de ejaculação precoce. Juro, ele disse isso. Sobre trabalho, uma moça que não quis ser identificada disse: "tenho medo de ser demitida desde o dia em que entrei na empresa". De fato, complicado. Também foi dito, sobre o mesmo assunto: "meu problema é meu gerente. Ele só pega no MEU pé". Perseguição, isso aí é crime. O Daniel, no meio de vários colegas de trabalho, foi sincero em suas colocações: "pego trem, tenho péssimos colegas de trabalho, estou cansado do cursinho e meu noivo mora longe demais."
Na ala dos problemas físicos, teve gente que descobriu hoje uma necessidade de voltar a fazer hemodiálise depois de 8 anos, e estava desapontada pelo governo obrigar alguém com uma desfunção tão delicada a trabalhar. Teve quem simplesmente encara uma dor de cabeça de mais de dois anos como rotina, e não se importa mais com ela. Também teve quem precisa fazer uma prótese, mas o hospital das clínicas está em reforma, já fica aí a informação, procurem um outro hospital. E por enquanto, ficam só esses problemas. 
De qualquer forma, esta foi uma experiência da qual não vou me esquecer, e com certeza, em breve, se tudo der certo, teremos mais. 

sábado, 4 de maio de 2013

Fúria da Existência

A tranquilidade já vencida, idealizada
Na incerteza imensa do futuro
Tornou-se por si só um muro
Que bloqueia a criação conturbada.

Os sons daquela agonia calada
Veículos podres do espírito imaturo
Ecoavam agudos no átrio mais obscuro
E ao certo invadiram os portos do nada.

Ausência confusa do quente desejo
Pôde apenas remeter a todo o desespero
Faça visto o vão empenho ao sentimento.

E sobre o vácuo do singelo gracejo
Que seja posto valor de porte austero
Pois já não mais sacia o amor de momento.