sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Homem Sem Sentido

Acordou com o cachorro lambendo sua cara. Fez-lhe um agrado, sentou na cama para olhar as horas. Vestiu a camisa florida, calçou os sapatos e deu comida ao seu fiel amigo. Pegou algo na geladeira, talvez cerveja. Bebeu tudo em alguns goles. Apanhou o maço de cigarros e a carteira em cima da mesa e saiu pelas ruas movimentadas daquela cidade fria. Acendeu um cigarro; um leve desgosto lhe atormentava, mas desgosto por desgosto, é parte da vida. Não tinha mulher, não tinha chefe, não tinha nome. Qual seria o sentido daquela vida? Não possuía nenhuma habilidade eminente, nenhum talento específico, nem tampouco fora agraciado com algum dom divino. Era tão vazio quanto o modo como as pessoas se movimentavam ao seu redor, e aquilo lhe causava uma sensação estranha. Mas aquela sensação era vaga, como as memórias que tinha, vaga como o próprio tempo e o próprio espaço eram um mistério.
O caos queria se estabelecer em sua mente, algo como uma confusão na alma e um estado vertiginoso em seus pés, por não saber ao certo aonde estava indo. No entanto, aquilo tudo ele conhecia, e por mais que não entendesse, sabia lidar com a situação. No final, nada ali o fazia sentir de fato algo. Nenhum desejo, nenhuma esperança, nenhum afeto, nada. Era oco. Era simples e oco. Típico. Não se surpreendeu. Ao contrário, acendeu outro cigarro na ponta do primeiro. Enquanto dava o primeiro trago, com ar melancólico e filosófico olhava as crianças brincando. A infância só não lhe assustava mais porque depois de tanto tempo, era como se nunca tivesse passado por ela. Era homem que nascera do nada. Em lugar algum. Era alguém, mas ao mesmo tempo, nunca fora nada. 
A vaguidão de se viver é mesmo uma coisa louca. Um dia você é alguém, e no outro, sua vida faz tanto sentido quanto uma piada não terminada. Daquelas bem intrincadas, que só se entende se o final for bem contado. A vida daquele homem talvez não fizesse sentido. Mas, afinal, qual seria o sentido de ter uma vida com sentido, dessa forma?
Sentiu, por fim, que deveria parar de pensar; aquelas perguntas não possuíam respostas para os céticos e desesperançosos.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A Triste História de Uma Escritora de Mentirinha

Tragédias Nonsense Antes do Almoço

O cão balançava o rabo. O sapato irritava e os pés doíam. Os ponteiros do relógio giravam, naquela vertigem constante e tendenciosa, fazendo tudo parecer grande. Ou seria pequeno? O cão dormia em pé. O telefone tocava, irritante. A mulher gritava, irritante. Atrasada, como sempre. A janela revelava frustrações, o livro revelava muitas coisas incompreensíveis. O barulho também incomodava, mas era bom. O cheiro de cigarro era insuportável, e a situação era insustentável, como sempre. 
Aquilo tudo não passava de sonho, não? Não, mas é claro que não. Música depressiva e nenhum som de passos na escada surgia para confortar aquela noite fria. Mas não era mais noite, agora, ontem, antes. Era nada. Era hora? Quando foi? Deus sabe, não era fácil. Havia gente dançando, mas era só imaginação. Havia amor, mas era só de mentirinha. Havia tanta coisa que não vai caber na lista. Havia outra dimensão, a via mas ela não há mais. De repente, tudo mudou, como num passe de mágica. Passe de mágica, impasses da vida. Os ventos do norte entraram pela janela do sul, num momento inesperado. Um beliscão que não foi sentido e um beijo que não existiu. Um buraco no coração e um romance que faliu. Faliram, abriram falência, cansaram da vida. 
Nada ali fazia sentido, a não ser uma saudade aguda e persistente que surgia aos poucos ali, nas vértebras cervicais, entre Atlas e Axis, e doía tanto que não conseguia reclamar. Contudo, aquela saudade também não fazia sentido algum. Saudade de quê? Saudade de quando o mundo era bom. Ora, vamos, o mundo nunca foi bom, e todos sabem disso. Algumas coisas do mundo é que eram boas, em determinada época. Talvez hoje, nem isso fizesse mais sentido. Quem é que pode dizer, não é mesmo? A verdade é que ninguém podia dizer nada, porque não havia nada que não pudesse ser dito. Qualquer coisa poderia ser dita por qualquer um de nós, humanos. Mas quem são humanos? 
Não importa, cara, vamos voltar ao nosso planeta, porque lá o mundo parece bom. 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Solidão Voluntária

Foi acordado pelo focinho do labrador no peito, empurrando-o na cama e pedindo comida. Abriu um olho primeiro, a procurar a luz do sol. Deu de cara com a janela, brilhando como fogo. Fechou o olho novamente. Fez no cachorro um agrado na cabeça, olhou as horas. Hora de sair daquele bloqueio criativo. Levantou da cama, vestindo as calças e dirigiu-se ao banheiro ainda tão sonolento que chutou a quina da mesa de centro. Típico de maus dias. Amaldiçoou toda a sua condição humana de péssimo ex-marido, péssimo pai e bom  escritor enquanto lavava o rosto. Rosto que em tempos áureos fora tão bonito e fizera milhares de lindas moças perderem a cabeça com seus belos modos e belas palavras, e agora parecia tão carente daquele vigor. 
Ele se perguntava todos os dias porque a vida de um escritor é tão solitária. No fundo, no fundo, sabia responder, mas a resposta não era tão aprazível e sensual quanto a poesia que existe em ser solitário. O escritor, quando solitário, é mais bonito. A multidão é aquele seu público, esperando que ele saia da sua toca com algum drama daqueles bem comoventes, se não com alguma comédia genial. O escritor precisava de silêncio, de concentração. O escritor precisava observar de longe, porque se sentisse as mesmas emoções do público, não saberia explicar no estilo próprio, que o púbico gostava de ver. 
Mal sabia o público, que o que lia era exatamente o que sentia, e que o escritor privava-se de sentir por vocação. Acendeu um cigarro, coçou a cabeça. O cachorro não tinha tempo de ver seu desespero, estava muito ocupado com o pote de ração a sua frente. Sentou-se de frente para a máquina, com o intuito de tornar-se ocupado como o cachorro, mas as ideias demoravam a fazer sentido, bagunçadas na mente. Ideias nunca lhe faltavam. O problema era justamente ter ideias em excesso, porque acabava por não conseguir finalizar ao menos uma. Começou, por fim, a escrever sobre uma mulher irritante e egocêntrica. Ironia do destino ou não, como pensou, o telefone tocou, revelando a voz da ex-mulher. Ele não entendia o real motivo contido em ligar para alguém somente para reclamar da vida, e chegou a sentir pena do telefone, que era obrigado a transmitir aquela voz. Pensamento que tempo depois ele achou engraçado e transformou em poesia, talvez. Desligou o telefone mais inspirado a escrever sobre a tal mulher, e no final, com as gotas de ressentimento que eram impossíveis de evitar naquela situação, matou a pobre coitada, violentamente. Sentiu remorso, pois ainda era um homem pacífico, e ela não fora ruim a vida toda. Muitas vezes, aliás, ela lhe fez feliz. Decidiu voltar atrás, pois no que escrevia ainda era possível que fizesse isso, e tirou a morte do destino dela. Por bondade, inclusive, colocou-a no altar com o homem bom da estória, que, de uma forma bem distorcida, era ele. Achou aquilo bizarro, lendo depois. Como é que seria possível aquela coisa toda acabar daquele jeito? Não havia possibilidade de aquele casal existir, ele havia sido extinto há dois anos. 
Bobeira, pensou. Tirou o casamento dela, colocou no lugar um agradecimento sincero, como se ele fosse um herói indiscutivelmente incrível. Riu ao acabar de escrever aquilo, pensando na possibilidade de um dia a ex-mulher agradecê-lo por algo. Deixou daquele jeito mesmo, talvez, se  ela resolvesse ler, entenderia que estava errada. Mas aí, veio o ego, falando alto. Não quis dar o braço a torcer fazendo indiretas para a mulher que um dia amou, mas dizia ser apenas coisa de adolescente. Arrumou milhares de finais para aquela estória, gastando tempo e papel, sem perceber de uma vez, que estava fazendo exatamente aquilo que, a princípio, em toda a sua criação poética de magnitude e orgulho, ele repudiou do fundo da alma: o sentimento, a emoção e a aproximação do escritor a tudo o que é vivo. 

domingo, 1 de julho de 2012

Diga Oi Ao Sr. Osvaldo!

O Sr. Osvaldo é o nosso mascote desde que eu o encontrei, na casa de uma amiga. Ele veio para a Cratinolândia ainda muito pequenino, e aqui ele cresceu, forte e saudável. Só tem um problema: ele é míope.  É, no entanto, um ótimo porco imaginário de estimação: simpático, esbanja carisma e charme, é muito carinhoso e adora brincar com todos os nossos habitantes e visitantes cretinos.