domingo, 3 de maio de 2015

Não podemos ter gente preta por aqui

Passeando pelos corredores de um shopping na avenida paulista, me deparei com uma daquelas cenas cotidianas bem comuns: o segurança, um homem negro, fardado e com o rádio em punho, encaminhava, como um pastor, um grupo de três moleques da mesma cor, não mais que treze anos cada, para a saída. Por motivos de segurança, pensei. Provavelmente já haviam dado problema antes. Segurança. Aquela mesma segurança nacional, motivação ideológica da nossa revolução de sessenta e quatro.
Passei reto, mas refleti sobre aquilo. Aquele homem negro não fazia mais que seu trabalho (como todo bom trabalhador negro), que era garantir a nossa integridade, o nosso conforto. Nós temos de nos sentir confortáveis para continuar movendo a economia. E é muito nítido que aqueles três pequenos monstrinhos de um metro e meio representavam, para a nossa integridade, uma ameaça terrível. Pelo simples fato de existirem. Pelo simples fato de não serem, como o segurança, funcionários.
Não podemos ter gente preta desuniformizada por aqui. São normas de segurança, e é simplesmente inadmissível. Eles já podem passear livremente pelos corredores durante seus horários de almoço, pra que precisam ocupar nosso espaço também em seus domingos? Pra que suas crianças também viriam até aqui? Isso é muito revoltante. Permitimos já, demais, deixando que utilizem o local externo ás cozinhas da praça de alimentação, sob título de passatempo até que tenham de voltar ao trabalho. Trabalho negro. Trabalha, negro!

(Relato fantasioso sobre uma situação real.)