quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Retrato Melhorado

- Que há de errado com você? - Suspirou desiludido, afundando-se na poltrona e naqueles pensamentos da essência.
- Assim, de errado, nada. Por que a pergunta?
- Estou cansado. Provavelmente não sei mais do que estou falando.
 Sempre sabia do que falava, ela pensou. Sentada de frente para a penteadeira, tirava agora os brincos, enquanto ele a fitava com algo que apenas não demonstrava sentir.
- Você parece cansada também.
 Um dos brincos caiu quando ela foi colocar sobre a penteadeira. Abaixou-se para pegar e ele permaneceu sentado, uma mão jogado ao ar, a outra pressionando o copo contra o peito, ainda forte em virilidade e sadio. Bebeu pelo canto da boca um gole do uísque que fora mais aprazível, um dia.
- Ando apenas um pouco enfadada, Roberto. Nada demais.
- As crianças do coral?
- Também.
- Lhe aborrecem muito?
- Nada demais, já disse. E você?
- Eu o quê?
- Você está assim por quê?
- Trabalho, não importa - Deu de ombros - Perguntei primeiro.
 Abriu de leve aquele sorriso cínico entortando os lábios, costumeiro quando se davam seus gracejos.
 Ela ria, olhando para ele pelo espelho da penteadeira, enquanto se ajeitava calmamente. Ele ainda tinha seu charme, aquelas mangas da camisa bem dobradas e as feições inteligentes e sarcásticas, embora ligeiramente envelhecidas, ainda transmissoras de peculiar altivez.
- Você é engraçado. Ainda.
- Não diga - Coçou o queixo, não muito surpreso.
- Começa essas observações aleatórias e nunca se sabe onde vai parar.
 Deixou de lado os brincos, a escova de cabelo e o próprio espelho, virando-se na cadeira para botar firmes e atentos os grandes olhos azuis sobre ele, como fazia ao tentar adivinhar o que ele pensava. Ele se mantinha estático em sua condição irônica beirando uma excentricidade meio misteriosa, meio "meia-idade", e no riso retorcido franzia a testa, de graça, desconcentrando-a de uma vez, ao arrancar dela uns bons sorrisos. Dentro dele, porém, aqueles olhos é que eram os do desconcerto.
Sentiu-se vivo ali algo que por vezes parecia meio agonizante, meio moribundo. Sentiu-se quente e vivo.
- Eu te amo. Ainda.
- Você e isso de "ainda". Coisa daquele seu amigo que parece amiga.
- Por que tanta perseguição com ele, ciúme?
- Ora, vamos, nada disso.
- O que, então?
- Não é ciúme, minha cara. Ledo engano. Acho apenas companhia desnecessária a da pessoa dele.
Ele agora se mexia um pouco na poltrona, talvez um pouco desconfortável, até arrumar-se por fim com a perna direita sobre a esquerda, ambos os cotovelos sobre os braços do estofado, cruzando-se as mãos no ar, fechando uma espécie de base onde apoiou o queixo, muito austero, observando-a falar e mexer o cabelo. O copo, deixou sobre uma mesinha.
- Mas não disse que me ama.
- Não preciso dizer, sei bem disto e você também sabe - as mãos firmes faziam o rosto subir e descer quando falava, uma cena um tanto cômica - As palavras por vezes não se fazem necessárias, posto que são apenas consequências.
- Consequências de que?
- Dos fatos.
- E os teus fatos, quais são?
- Estes teus olhos curiosos que você tem aí na cara. Eles são os meus fatos.
 Continuaram a se olhar, ela agora mais satisfeita, com seu belo vestido de renda de tom pastel, uma mulher elegante. Ele a pediu que o tirasse.
- Que você disse?
- O vestido, tire.
 Tirou.
- Venha, aproxime-se - Bateu na perna, agora não estavam mais cruzadas, e sim abertas - Sente-se aqui.
 Ela foi até ele, pegando o copo e arrematando o último gole do uísque. Sentou-se em seu colo. Mexiam um nos cabelos do outro.
- Então, diga que me ama.
 Ele deslizou o dedos pela cintura, olhando fixamente em seus olhos, como se estivesse de fato hipnotizado pela embriaguez que eles particularmente possuíam.
- Não só te amo... como lhe faço ainda hoje um filho, ou não sou mais eu.

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