segunda-feira, 10 de junho de 2013

O Homem De Bem

Aqui vive o homem de bem. Nesta caverna onde esconde-se juntamente com sua respeitosa dama e descansa, como pode, no curto período do tempo que lhe embranquece os cabelos a cada dia um pouco mais. Não pratica o mal pois assim lhe foi ensinado quando pequeno, que não o deveria fazer. Apesar de muitos outros exatamente como ele terem também recebido a mesma instrução, sabe que hoje são homens que deixam-se levar por uma fraqueza social comum entre homens, ao ponto de vista geral, de bem. Teme por sua dama durante as vinte e mais algumas horas do dia inventado pelos homens que sobre eles exercem poder, pois como é de conhecimento geral, a noite é escura, o dia, perigoso e a cidade, violenta. Uma cidade violenta onde nunca nada dorme (além dos que como o homem de bem e sua esposa (proletários), precisam fechar seus olhos diante da angústia do vazio da pouca vida que lhes resta após às cinco, das frustrações da meia idade e da repressão implícita e acobertada por largos sorrisos na TV que sofrem para que lhes seja possível alimentarem-se quatro vezes ao dia - sendo uma delas refeição feita num recipiente de plástico barato e em tempo cronometrado): nem o perigo representado pelos jovens que sofrem, nem a inconsequência dos que esbanjam.
O homem de bem imerge todos os meses num oceano sombrio e melancólico de cálculos, diante dos quais lhe some o humilde ordenado cujo ínfimo valor, quase simbólico, é ridiculamente enxugado a cada dia pelos panos quentes que acobertam a corrupção, seja do governo, seja dos tolos homens que o forma, e que por esse e por mais milhares de outros motivos de aparência pequena, tornam corrupção um produto cultural do país. Estes são os homens a princípio de bem. Os que igualmente ao homem de bem, tiveram caráter, tiveram lição, tiveram alguma, ainda que precária, escola e oportunidade - porque assim a almeja o governo: precária. Estes homens, contudo, não sabem quanto custam ao homem de bem, as facilidades obtidas por eles. Na roda de amigos, o homem de bem mantém-se calado, não possui lá muitas vitórias, pois a vida é cara e não lhe sobram muitas oportunidades. Já os outros, tem vantagens a contar, tem viagens a comentar, pois para eles moral é acessório, carteira perdida não tem dono e quem não rouba sinal de TV paga, é moralista. Mas o homem de bem sabe, e é justamente o saber o agravante de sua situação: a impotência angustiante de ver sobre seus semelhantes uma crosta suja de ignorância a qual tenta combater todos os dias teimosamente, sozinho, mas nunca mudo. Pois a corrupção é sádica ao ponto de anestesiar o corpo e fazer sofrer a mente da sociedade. A tortura portanto é tão mais cruel e visceral, que a sanidade do homem de bem é hoje verdadeiramente comprometida, a cada segundo em que respira e exerce sua função, com seriedade que por quem não sabe o que diz é depreciada e reduzida ao pó.
O homem de bem sofre portanto pela impotência supracitada e também pelas juventude e força que a sociedade deseja a todo custo dele tomar, usando-se do tempo e dos próprios indivíduos ao redor do homem de bem, pois sabemos que ao colocar o pé para fora de casa, jamais encontrará compaixão, quando o sistema tratou de extingui-la já há muito, nem mesmo solidariedade, já que os outros homens compreenderam errado o intuito da vida e também a fizeram desaparecer. Fora de sua pequena fortaleza não há nada para ele exceto giz, desrespeito e algo que o possa sustentar com muita simplicidade, e sabe bem disso. Não há nenhum motivo aparente para sorrir fora dela. 
É mesmo uma pequenina fortaleza que ele possui, um lugarzinho que levou muito tempo e esforço para que conseguisse conquistar. Uma casinha modesta e aconchegante, da qual sai todos os dias pela manhã e a qual retorna todos os dias ao cair da tarde, fadigado e com novas dores, marcado diretamente pela hostilidade do mundo. Fora dela a rua é fria, o céu é cinza. Mas lá dentro a vida lhe faz algum sentido, a dama lhe faz alguma companhia. A vaguidão do ser não lhe perturba mais o sono depois de tantos anos de luta, pois sabe que faz o que pode. Em seu pequeno reino existe um amor. Em seu pouco espaço, confiança e concordância. Lá ele sente a paz dos verdadeiros homens de bem, a paz que atravessa a angústia, que ultrapassa a linha das mágoas e dos medos que lhe castigam porta a fora. Ali ele descansa sim, como pode para recuperar-se e alimentar o ciclo vicioso da vida assalariada. Ali sim, vive - e não só existe - o homem de bem. Numa caverna onde esconde-se com sua respeitosa dama, dos malfeitos do mundo.

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