Aparentemente, este planeta super cafona e decaidinho que chamamos de lar está dividido em três grupos de pessoas, respectivamente apresentados em ordem crescente da quantidade de membros: o das pessoas com bom senso, o das que são frouxas e não opinaram e por último, o maior grupo: o das pessoas que acreditam em dons.
Diz-se do dom, no dicionário de língua portuguesa cujo nome não vem ao caso: "SM. 1 dádiva, presente. 2. Qualidade inata [...] 4. Poder. [PL.: dons]". Basicamente, portanto, a maior parte da população mundial acredita que Van Gogh teria, em algum dado momento de sua triste vida, recebido um presente que o tornou um carinha talentoso o bastante para criar belas pinturas, por exemplo.
Não que haja efetivamente um problema em acreditar nisso; é até uma crença bastante plausível, sob a nossa condição mortal, afinal, para deixar de ser plausível, as crenças devem teoricamente levar seu crente a ceifar o direito essencial à vida de outrem, mas provavelmente passa a ser um pouco constrangedor quando seus tios e/ou avós começam a acreditar que por ter andado ou balbuciado algumas palavras antes do tempo, você seja com certeza um ser agraciado com algum tipo de genialidade bizarra como as daqueles caras que comandam empresas de software bilionárias.
Pois é, a parcela da população crente em dons celestiais comete algumas gafes. Talvez você tenha se frustrado um pouquinho ao descobrir que pós-doutorado em física quântica das ciências iônicas da galáxia paradoxal não combinaria com quem você queria ser, justamente por causa da crença; às vezes, ela pressiona um pouco a gente. Mas não se sinta mal por isso, de forma alguma. Ser corretor de imóveis também é OK, e talvez você nem fosse feliz estando em outra situação, não é mesmo?
No entanto, em meio a tantas peculiaridades existentes na crença de dons, mais do que na da meritocracia e menos do que na da cura gay, há um certo efeito negativo, e ele se dá quando o indivíduo crente retira de seu vocabulário a prática e a experiência, para reduzir (ou aumentar?) tudo à decorrência de dom.
Vejamos, tudo bem acreditar que uma entidade superior tenha conferido a cada pequeno ser alguma habilidade específica. Todavia, será praticamente impossível não sentir ao menos uma pontinha de curiosidade a respeito de como e por que diabos esse camarada superior teria presenteado algumas pessoas com dons um tanto... Exóticos (a exemplo daquela sua amiga que decorava placas de carros de todos os professores do ensino fundamental, do seu colega que toca a língua no nariz ou até mesmo da sua prima que consegue fazer bolas de chiclete maiores que o próprio rosto).
Torna-se, por fim, uma paranóia agonizante, imaginar que o ser superior que te fez uma grande decoradora de placas de carros, um cara que toca o nariz com a língua, ou uma fazedora de bolas de chiclete, estava na verdade meio entediado e resolveu fazer umas sacanagens com seus seres inferiores.
De qualquer forma, o importante mesmo é não ceifar o direito essencial à vida de ninguém. Não tanto por grandes motivos, mas mais por ser plausível em suas crenças, numa boa.
terça-feira, 13 de janeiro de 2015
O dom e a eterna sacanagem divina
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