segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O garoto do pão de queijo

Voltando para casa, tomei um ônibus no Ipiranga. Viajava em pé, pois não haviam mais lugares, e ao meu lado, sentada estava uma mulher muito magra, de aspecto quase doentio e expressão já muito sofrida, apesar de não demonstrar mais de vinte e cinco anos. No seu colo havia um molequinho pequeno de uns três ou quatro, comendo um pão de queijo e observando a rua pela janela. De repente, sentiu saudades do pai.
 - Ele tá na casa dele, fio.  – Causou algum desconforto essa notícia na criança, começou a se movimentar e chamar pelo pai mais vezes, e a mulher sempre dizia o mesmo. A vida que levavam, em toda a simplicidade, parecia complicada. Era interessante a forma como ele olhava para tudo, curioso, e ela, assustada, como quem não vive contando com muitos direitos, com muitas oportunidades. Quem vive rápido, com medo e com pressa, pra não perder o das crianças. Seu olhar cruzou ainda com o meu e fez um gesto de cumplicidade, um risinho curto e meio sem motivo que queria abrir ao mundo que nunca lhe abria nada. Foi nesse momento que pude sentir cada músculo do corpo virar pó diante da ingratidão cotidiana que carregamos pela vida, um pesado fardo que espero, ainda que numa esperança meio moída, o menino não carregue.

Ele por sinal, distraído e cheio de força, carregava já outro fardo, aquele que surge proporcionalmente com as medidas do corpo infantil deixando o primeiro estágio da vida. Mais tarde, será obrigado a pensar em algo que o faça feliz, porque a felicidade adulta não é natural como a infantil, mas vem com o tempo. E o tempo não tem relação amistosa com a felicidade. Um dia, aquele garoto tomará conhecimento dos mecanismos da vida, e tudo o que desejará é não ter conhecido o tempo. Um dia, terá necessidades não supridas e perceberá o quão cruel é a máquina social com seu óleo humano. Nesse dia, todas as suas esperanças serão destituídas, todas as suas forças serão testadas ao seu limite, e talvez o ultrapassem de tal forma que ele já não possa mais suportar a situação do amadurecimento. Terá crescido quando este dia chegar, e quando o mesmo for embora, terá se tornado um homem, marcado e cheio de preocupações. Durante todo o processo, sofrerá e se angustiará, em toda a sua vitalidade, com o medo da falta, com a subordinação injusta e obrigatória e com a fé na sobrevivência por um fio, para que quando todos os longos dias tornarem-se curtos e  acabarem-se, tenha por fim tudo de sobra, mas nenhuma força para poder vivenciar algo. Mas é de extrema importância que não pense nisso agora, pois pensar só lhe fará fazer menos, e ganhar nada. Um dia ele pensará e chegará à conclusão de que não foi feito para viver, mas sim para resistir. Resistir moral, religiosa e legalmente. Resistir enquanto puder, e diante de boa resistência, não será mais que um a mais. Faz parte de um jogo, onde começa tudo exatamente como ele começou, sem nada, para assim passar a vida toda, em todos os momentos de necessidade, e ao fim, quando a memória falhar e nem de suas necessidades possa mais se lembrar, tenha o bastante em suprimento para qualquer uma delas.

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