terça-feira, 16 de setembro de 2014

Hora do cafézinho

Existem poucas experiências traumatizantes, na minha lista delas, cuja posição esteja acima do velho café açucarado. Destas nem vale muito a pena falar, foram realmente bem tristes. Mas as margens do rio de angústia que corre em meu ser transbordam e inundam todo o meu pensamento, ao menor traço de lembrança desse líquido monstruoso que se espreita e me persegue por entre lojas, escolas e mais variados ambientes de convivência que frequento desavisada.  Muitas vezes pensei em desistir, em nunca mais tomar café ou chá fora de casa, e aí foi quando me surpreendeu o hábito de perder a medida do açúcar.
No princípio, era muito claro: três colheres por litro. Mas acabava sempre que ninguém bebia, e eu sozinha não dava conta, as bebidas esfriavam e ficavam largadas sobre a mesa. Decidi fazer porções individuais, e me parece que foi uma péssima decisão, talvez até pior. A medida individual é uma coisa traiçoeira, insidiosa ao extremo, que te puxa pela incerteza e a pressa de continuar trabalhando, e te prende no mais profundo poço de amargura – não do café em si, mas sim da raiva que você sente quando percebe que desperdiçou mais um copo colocando aquela quantidade abominável de açúcar.
É uma sensação de impotência incomensurável, uma agonia sem fim. Você desenrola toda uma arte ao esquentar a água, adicionar as colheres de pó ou erva, observar aquela fumaça pra lá de filosófica no ar, o cheirinho inconfundível que denota sua deliciosa tarde cinzenta e reclusa, e eis que depois de tampar a caneca e esperar mais uns minutinhos para o último passo, vem lhe perturbar a irritante consciência de que em breve será obrigado a despejar o açúcar sobre a bebida. Dois minutos de pura tortura chinesa.  Você toma coragem e abre o pote de açúcar, e ele está ali, desafiador, naquela imensidão branca e satírica. É  quase como se ele tivesse vida, e te olhasse rindo porque você nunca vai acertar a medida do seu próprio paladar, porque você é uma exceção à seleção natural, porque você é um completo fracasso.

Você pega a colher, não admitindo seu verdadeiro pavor, e vai bem devagar, adicionando pontinhas de colher de chá de açúcar, para não errar. Prova. Percebe que foi muito pouco, e que o pote está ali, sádico, observando grão por grão que cai quando você tenta acertar. Depois da terceira falha, será tarde demais. E aí então, você novamente desiste, e bebe de um gole, ofendido e humilhado pelos povos do subcontinente indiano antigo que espalharam pelo mundo esta verdadeira peste que desce queimando sua garganta. 

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