Existem poucas experiências
traumatizantes, na minha lista delas, cuja posição esteja acima do velho café
açucarado. Destas nem vale muito a pena falar, foram realmente bem tristes. Mas
as margens do rio de angústia que corre em meu ser transbordam e inundam todo o
meu pensamento, ao menor traço de lembrança desse líquido monstruoso que se
espreita e me persegue por entre lojas, escolas e mais variados ambientes de
convivência que frequento desavisada.
Muitas vezes pensei em desistir, em nunca mais tomar café ou chá fora de
casa, e aí foi quando me surpreendeu o hábito de perder a medida do açúcar.
No princípio, era muito claro:
três colheres por litro. Mas acabava sempre que ninguém bebia, e eu sozinha não
dava conta, as bebidas esfriavam e ficavam largadas sobre a mesa. Decidi fazer porções
individuais, e me parece que foi uma péssima decisão, talvez até pior. A medida
individual é uma coisa traiçoeira, insidiosa ao extremo, que te puxa pela
incerteza e a pressa de continuar trabalhando, e te prende no mais profundo poço
de amargura – não do café em si, mas sim da raiva que você sente quando percebe
que desperdiçou mais um copo colocando aquela quantidade abominável de açúcar.
É uma sensação de impotência
incomensurável, uma agonia sem fim. Você desenrola toda uma arte ao esquentar a
água, adicionar as colheres de pó ou erva, observar aquela fumaça pra lá de
filosófica no ar, o cheirinho inconfundível que denota sua deliciosa tarde
cinzenta e reclusa, e eis que depois de tampar a caneca e esperar mais uns
minutinhos para o último passo, vem lhe perturbar a irritante consciência de
que em breve será obrigado a despejar o açúcar sobre a bebida. Dois minutos de pura
tortura chinesa. Você toma coragem e
abre o pote de açúcar, e ele está ali, desafiador, naquela imensidão branca e
satírica. É quase como se ele tivesse
vida, e te olhasse rindo porque você nunca vai acertar a medida do seu próprio
paladar, porque você é uma exceção à seleção natural, porque você é um completo
fracasso.
Você pega a colher, não admitindo
seu verdadeiro pavor, e vai bem devagar, adicionando pontinhas de colher de chá
de açúcar, para não errar. Prova. Percebe que foi muito pouco, e que o pote
está ali, sádico, observando grão por grão que cai quando você tenta acertar.
Depois da terceira falha, será tarde demais. E aí então, você novamente
desiste, e bebe de um gole, ofendido e humilhado pelos povos do subcontinente
indiano antigo que espalharam pelo mundo esta verdadeira peste que desce
queimando sua garganta.
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