sábado, 30 de junho de 2012

Frustrações de Rômulo

Chamo-me Rômulo. Nasci e cresci em 12 de outubro de 1961, numa pequena cidade no interior onde as coisas complicadas são simplesmente deixadas de lado. E por ironia do destino, tive uma vida muito complicada. É claro que as pessoas firmes e severas dizem que isto não foi nada, eu mesmo com o tempo passei a encarar tudo como o simples rumo da vida. 
Fui uma criança comum. Tive galinha, cachorro, brinquei de pula-cela, subi em árvore. Aprontei também. Matei passarinho na mão e ateei fogo em crina de cavalo. Fui moleque encapetado igual a todos os outros. 
Durante a época que os entendidos chamam adolescência brinquei de médico, deitei na grama a olhar as nuvens e imaginar as formas que elas tinham, me apaixonei por mulheres da vida e ouvi rock'n'roll de verdade. Tive problemas com a rebeldia, estudei fora, fui crescendo e virando homem, e aprendi a agir como tal, quando na mira de pai ciumento, me casei com uma das mocinhas mais bonitinhas da cidade pensando em outra.
Homem letrado, partido bom. Pai ciumento nem sempre é burro, escolhe bem o único com quem sua filha irá se deitar. Até o dia de sua morte, ela nunca disse que ele estava errado. Eu amei aquela mulher, é verdade. Ela teve um sorriso puro no rosto delicado, e fez questão de passá-lo para frente, tendo a menina, nossa filha, o mesmo sorriso. Não acho que fui pai presente, compreendo. Mas quando pude, eu amei também aquela mulherzinha, aquela menininha tão pequena e tão frágil nos meus braços, no dia em que nasceu. Foi a menina mais forte que eu conheci. Compreendi o avô quando ela trouxe o namorado, cheio de tatuagens. Aquela coisa de conflito de gerações, ciumes que as menininhas entendem como preconceito. Havia sim algum preconceito, mas ela era minha menininha. Bom menino, descobri por fim. Bom homem também, talvez até melhor do que eu fui, admito. Tiveram filhos, eu tive netos. Netos cujos olhos teriam o mesmo brilho daquele sorriso puro da minha amada. Ah, se eu conseguisse olhá-los sem essas lentes grossas e hostis...
Toda a minha vida eu dediquei a algo que hoje não sei dizer se foi amor, paixão, instinto ou simples medo das frustrações e descaminhos. 
O que eu sei é que eu poderia ter tido mais sabedoria. Eu poderia ter vivido de maneira mais complicada ainda. Eu poderia ter feito um circo, eu poderia ter gargalhado quando ela chorou e eu não soube consolá-la. Eu poderia não ter implicado tanto, e poderia ter sido tão melhor, que eu às vezes me pego pensando: eu não saberia viver com algo melhor; porque foi tudo tão ótimo, que não haveria possibilidade de piorar. Eu devia ter chorado mais, eu devia ter estado lá; eu deveria dar mais liberdade, mais amor e mais do meu próprio  sangue à ela. Disseram-me que eu dei. Fico feliz em saber que vou logo me encontrar com ela, deixando estas coisas daqui. Sei que a vida não é coisa fácil. Sei unicamente que nada do que eu fizer vai tornar minha angústia menor, mas contento-me em saber que vivi. E vivi como todo o homem deve viver: feliz. 
Hoje, as dores da vida e as frustrações que tive me acompanham nas noites frias sem o calor da juventude e me seguem pelos caminhos secos e exatos sem a incerteza dos passos turvos de um menino. Mas já não importam as dores da vida e as frustrações que tive. O que importa é ter de fato estado vivo, sendo errado ou não. 

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