O mundo é um lugar cheio de
pessoas divididas em dois grupos distintos, no que diz respeito a uma boa
visão; existem pessoas que enxergam bem, e existem pessoas que não. Houve um tempo em que, detectando esta
ligeira diferença, as pessoas foram classificadas de acordo com seus grupos. Infelizmente,
para os membros do segundo grupo, a vida
nem sempre foi fácil: as placas de trânsito, as letras miúdas, as luzes acesas
sem necessidade, dentre tantos outros adventos terrivelmente cruéis tem feito,
desde sempre, da vida dos que vieram ao mundo com alguma sorte de problema de
visão um verdadeiro caos.
Todavia, como nada pode ser de
todo ruim, devemos for fim assumir certas vantagens em ser um genuíno membro do
fabuloso mundo das pessoas que enxergam mal. Se na escola, algumas crianças
sofrem para adaptarem-se a seus pequenos óculos coloridos com cordinhas
amarradas ao pescoço, e até recebem por vezes, apelidos não exatamente
carinhosos por isso, mal sabem elas que a vida lhes reserva grandes e incríveis
benefícios, não apenas na vida adulta, mas até mesmo durante todo o seu período
infantil, fofinho e pimpolho.
Por exemplo, após assistir filmes
com espíritos malignos e monstros feios: um dos pontos mais benéficos de não se
enxergar com perfeição é que nenhuma pessoa que enxerga mal vê figuras estranhas
sorrindo diabolicamente nas janelas e portas entreabertas por aí. Isso, é
claro, porque é difícil para elas até mesmo enxergar as janelas e portas, e
portanto, discernir a fisionomia de quem estiver lá fica, realmente,
impossível.
Ainda sobre fisionomias, e aliás,
partindo deste mesmíssimo princípio, as figuras que se vê, quando se vê mal,
são ligeiramente distorcidas; ou seja, é muito mais fácil ver a beleza, sendo um
pouquinho otimista, onde não há. Apenas este pequeno fato já garantiria ao mal
enxergador, uma porção de vantagens em sua vida social, não apenas de ordem
financeira (não é necessário gastar tanto com álcool até que as pessoas da
festa fiquem muito bonitas, pois os fatores externos como elas estarem bem
arrumadas já otimizam em duzentos por cento sua bela aparência), mas também, como
retorno ao posicionamento estético que se tem para com as pessoas: as pessoas
que não usam óculos sempre tendem a acreditar que você seja muito mais
inteligente do que realmente é, simplesmente por viver atrás de duas grandes
lentes lustrosas.
Portanto, caso você faça parte deste
(não tão) seleto grupo de pessoas, saiba quais cartas você tem na manga. Não
perca tempo (mas claro, não é só porque uma boa armação quadrada e tradicional
sempre lhe garante confiança e respeito na hora de tratar sobre qualquer
assunto, que automaticamente você só dirá coisas muito inteligentes. É preciso
manter a discrição). Para além da socialização em ocasiões especiais, no
entanto, ser parte da população que força os olhinhos para ler o letreiro dos
ônibus pode trazer esta adorável forma de quebrar o gelo nas situações
cotidianas, se for o caso.
É comprovado cientificamente pelos renomados Observadores
da Esquina que, frases simples como “meu deus, o que diabos está escrito ali?”
ou “Não consigo enxergar nem a cor desse
ônibus, você poderia me dizer se é o número tal?” ativam rapidamente terminais
de solidariedade no cérebro humano. Além disso, empregando o tom certo, podem
soar cômicas. Daí, é só torcer para não ser aquele o seu ônibus, nem o da pessoa com quem quiser bater um papo
descontraído. Tomar como estimativa que é você quem enxerga mal pode trazer grandes
alegrias. Basta saber usar suas oportunidades, e o mundo se abrirá lindamente,
colorido e nítido, cheio de luzes e detalhes (que você nem vai conseguir
enxergar direito, mas não importa), exatamente como duas lentes limpinhas.